Anunciar o Evangelho

Terça feira da Terceira Semana da Páscoa. Páscoa é vida nova! Recomeço de uma nova etapa na vida. O sonho de Deus em Jesus se fazendo realidade de um recomeço da luz da vida, vencendo a escuridão da morte. Fez-se dia, apesar da escuridão da cruz. Sonhar não foi em vão! Sonhar acordado com a possibilidade de também com Ele ressuscitar. Sonhar com Jesus na construção do Reino, de outro mundo possível, onde reina a justiça, a fraternidade e a paz. Sem mentira, ódio ou rancor, como já dissera o profeta Isaías: “O lobo e o cordeiro pastarão juntos, o leão comerá capim junto com o boi, mas o alimento da cobra é o pó da terra. Em todo o meu monte santo ninguém causará danos ou estragos, diz o Senhor”. (Is 65,25)

Foi neste clima de euforia de uma nova realidade que encerrei o meu dia de ontem. Fui dormir de alma lavada. Ver o xará, o Buarque, receber o Prêmio Camões em Portugal, encheu o meu espírito de contentamento. O Prêmio Camões foi instituído em 1988 pelos Governos de Portugal e do Brasil, com o objetivo de estreitar os laços culturais entre estes dois países, como forma de divulgar o patrimônio literário e cultural da língua portuguesa. Chico Buarque havia sido indicado para receber o prêmio em 2019, mas o “ocupante” do Palácio do Planalto se recusou assinar a documentação. Ainda bem! Nunca que uma das letras da canção de Chico fosse tão atual: “Apesar de você amanhã há de ser outro dia”. E foi mesmo!

Festa que continua. Não da Páscoa apenas, mas dessa vez, celebrando a memória de um grande servo de Deus: São Marcos, evangelista. Ao contrário do que alguns pensam, Marcos não fez parte do discipulado de Jesus. Filho de família judaica, quando ainda jovem, acompanhou Paulo e Barnabé em suas viagens missionárias. Posteriormente, trabalhou também com o apóstolo Pedro. Foi a partir da experiência destas incursões com Pedro que Marcos escreveu seu livro. Provavelmente escreveu o evangelho em Roma entre os anos 64 d.C. e 70 d.C., talvez pouco depois do martírio do Apóstolo Pedro que aconteceu por volta de 60 ou 64 d.C.

Apesar de ser o segundo evangelho na estrutura organizacional do Novo Testamento, provavelmente foi o primeiro evangelho a ser escrito, servindo, inclusive de inspiração para os outros evangelistas Mateus e Lucas. A intenção de Marcos ao escrever o seu livro foi a de apresentar a vida de Jesus aos cristãos que não eram judeus, mostrando-lhes as ações do Jesus Histórico, durante a sua vida pública na terra. Para atingir este seu objetivo principal o evangelista procura responder a pergunta: “quem é Jesus?”. Não com teorias discursivas, mas simplesmente relatando a atividade prática de Jesus, possibilitando assim ao seu leitor que ele mesmo chegue à conclusão de que Jesus é o Messias, o Filho de Deus (1,1; 8,29; 14,61; 15,39).

O texto que nos é oportunizado para reflexão no dia de hoje é o final do Evangelho de São Marcos (Mc 16,15-20). Jesus dando as coordenadas para os seus discípulos de como eles deveriam fazer nas ações de continuidade de sua missão: “Ide pelo mundo inteiro e anunciai o Evangelho a toda criatura!” (Mc 16,15) De discípulos (aprendentes) do Mestre, eles passam a ser apóstolos (enviados), anunciando a Boa Nova do Reino com a própria vida pelas causas do Reino. Não anunciar somente através da palavra, mas realizando as mesmas ações feitas por Jesus. Fazer da própria vida um testemunho de fé da pessoa do Ressuscitado. Não somente falar de Jesus, mas levar Jesus em si, sendo um com Ele e por Ele. Mergulhar nas profundezas da vida de Jesus, sendo vida para os sem vida. Missão que nosso bispo Pedro assim a definiu para si: “Ser o que se é. Falar o que se crê. Crer no que se prega. Viver o que se proclama, até as últimas consequências”.

Jesus é o modelo para o seu discipulado. Ser com e como Jesus é o desafio de ser cristão no mundo. Ele que não anunciou a si mesmo, mas o Reino de Deus. O Reino sonhado por Deus. Ensinou com palavras, mas também fez acontecer os sinais deste Reino aqui e agora, como Mateus assim o descreveu: “os cegos recuperam a vista, os paralíticos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e aos pobres é anunciada a Boa Notícia”. (Mt 11,5) Assim como os onze discípulos, que foram enviados em missão por Jesus no texto de hoje, somos também enviados a sermos continuadores destas mesmas ações de Jesus no aqui e agora. Onde quer que estejamos. Para cumprir tal missão, uma boa dica nos foi dada por um dos meus preferidos, o teólogo alemão Karl Rahner (1904-1984): “Para lidar consigo mesmo, use a cabeça; para lidar com os outros use o coração”. Contando, é claro, com a presença do Senhor em nós.


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.