As armadilhas dos fariseus

Terça feira da Nona Semana do Tempo Comum. Junho vai dando as suas coordenadas do tempo climático. Mais frio e mais seco. As noites são bem mais frias, mesmo que aqui no Araguaia seja uma noite bem amena, diferente de outras realidades do país. Dentro em breve, mais especificamente no dia 21 de junho, entraremos na estação menos chuvosa do ano. Neste dia começa oficialmente o inverno, que é um período tipicamente frio e seco na maior parte do país, com a redução das chuvas e das temperaturas, especialmente no centro-sul do país. Se lá fora as temperaturas despecam, aqui nos preparamos para a nossa “Temporada de Praia no Araguaia”.

Nesta época do ano é o período em que a população em situação de rua mais sofre. Pessoas morrem de frio nas madrugadas geladas. Inimaginável a cena de alguém em tamanha aflição. Uma situação muito triste de saber que num país tão belo e cheio de riquezas como o Brasil, alguns de seus filhos morrem em decorrência do frio. A concentração de renda e a desigualdade são tamanhas entre nós que, enquanto alguns poucos dormem confortavelmente em suas casas nos jardins, nossos irmãos morrem de frio e fome nas ruas, de corações gelados pela indiferença.

O frio mata! A fome mata também! São 33 milhões de pessoas passando fome entre nós e 116 milhões em situação de insegurança alimentar. Enquanto isso, nas nossas igrejas, nas pastorais, nas reflexões homiléticas, raramente se fala acerca da Campanha da Fraternidade deste ano de 2023 que nos veio com a temática: “Fraternidade e Fome”, e o lema: “Dai-lhes vós mesmos de comer!” (Mt 14, 16) De saber que o pão diário, a farta alimentação, nunca deixaram de faltar na mesa de nossas lideranças religiosas, que sequer conseguem olhar para além dos vitrais das sacristias de suas igrejas. O Evangelho pregado com sacramentalismos e sem conexão com a realidade. Tem razão Santo Agostinho quando diz: “Onde não há caridade não pode haver justiça”.

A temática que a liturgia desta terça feira nos faz refletir é sobre a questão tributária. Antes, porem, de entrar no texto do evangelho proposto, devemos nos recordar que o Brasil está entre os países com a maior carga tributária do mundo. Em 2022, esta carga atingiu a cifra de 33,71% do nosso Produto Interno Bruto (PIB). Entre 33 países, a carga tributária brasileira é uma das mais altas do mundo. Ficamos atrás apenas da Hungria, Grécia e Dinamarca. Nós brasileiros pagamos entre impostos, taxas e contribuições, 73 tipos de tributos federais, estaduais e municipais (IOF, II, IPI, IRPF, IRPJ, Cofins, PIS / Pasep, CSLL, INSS. IPTU, IPVA). Significa que cada brasileiro gasta o tempo médio de 4 meses e 27 dias para dar conta de pagar os impostos.

Mas voltando a liturgia do dia, mais uma vez o evangelista Marcos nos coloca diante de um cenário em que Jesus está se confrontando com as terríveis autoridades judaicas: “as autoridades mandaram alguns fariseus e alguns partidários de Herodes, para apanharem Jesus em alguma palavra”. (Mc 12, 13) Mais uma armadilha tramada pelos fariseus para colocarem Jesus numa situação embaraçosa, e daí terem motivos para o levarem à morte. A pergunta da vez era se eles deviam ou não pagar os impostos cobrados pelo Império Romamo: “Dize-nos: É lícito ou não pagar o imposto a César? Devemos pagar ou não?” (Mc 12,14) Jesus não responde prontamente tal pergunta, mas devolve-lhes a linha de raciocínio para que eles mesmos tirassem as suas conclusões.

Na Palestina no tempo de Jesus o domínio político estava a cargo dos Romanos. Naquela circunstância sócio-político-econômica, o imposto era o sinal da dominação romana. Havia uma divergência de interpretação entre os fariseus e os partidários de Herodes. Os primeiros a rejeitavam, mas os partidários de Herodes a aceitavam. Se Jesus respondesse que sim, os fariseus o desacreditariam diante do povo; se ele dissesse não, os partidários de Herodes teriam motivos para acusá-lo de subversão da ordem. As autoridades são ardilosas nas suas armadilhas, tramando a sorte do justo. Como vemos, a situação não era simples e fácil para Jesus.

Todavia, percebendo a trama das autoridades, Jesus não discute e nem entra no mérito da questão do pagamento ou não do imposto. A preocupação maior d’Ele é com o povo que era subjugado àquela situação de exploração. A moeda é de César, com sua esfinge e tudo, mas o povo pertence a Deus. Na compreensão de Jesus, o imposto só é justo quando reverte em benefício do bem comum de todos. Neste sentido, Jesus condena a transformação do povo em massa de manobra e mercadoria que enriquece e fortalece tanto a dominação interna como a estrangeira. Isto com a participação conivente das lideranças religiosas de ontem e de hoje.


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.