30 de dezembro. Sexto dia da Oitava do Natal. Penúltimo dia do ano de 2021. Já estamos quase lá. Da janela de nossas expectativas, vemos a luz do horizonte, descortinando mais um ano. Assim como o sol traz o dia pela mão, sentimos que se aproxima mais um ano no horizonte de nossa história. Que seja um ano benfazejo e que as coordenadas do “Bem Viver”, nos oriente no caminho de nossas realizações nesta “Casa Comum”, em que estamos todos e todas interligados/as ao projeto maior. Que a vida seja em plenitude, conforme a utopia do Reino desejado por Deus.
Caminhamos em direção ao novo. Que o ano seja novo, não como objeto de retórica vazia, mas que seja a nossa grande oportunidade de construção do novo. Começando por nós mesmos. Cada um, fazendo a sua parte e colocando um tijolinho neste grande edifício. Não fiquemos na espreita, esperando que o outro faça e seja aquilo que queremos que ele seja. Sejamos nós mesmos a transformação que queremos ver acontecer no mundo. Lembrando, como já nos advertia Paulo Freire: “não se muda o mundo, se mudam as pessoas e as pessoas mudam o mundo”. Como nos diria o filosofo prussiano Immanuel Kant (1724-1804)? “Toda reforma interior e toda mudança para melhor dependem exclusivamente da aplicação do nosso próprio esforço”.
Uma creche barulhenta de periquitos invadiu nesta manhã o meu quintal. Uma criançada feliz, saltitando de galho em galho, degustando as últimas mangas que ainda restam. Desta vez, sem a presença dos papais periquitos, que já não precisam mais acompanhar os infantes, em sua escalada pela vida livre da mãe natureza. Um verdadeiro jardim de infância se fez recreio em meu quintal, louvando o Deus da Criação, oportunizando-me rezar em meio a esta “santa balbúrdia”. O amor está no ar! Rezei neste contexto trazendo presente em minha memória as multiformes dimensões do amor.
O amor é como o arco Iris. Ele é constituído de múltiplas cores diversas, formando um todo que encanta os nossos olhos. Mais do que um sentimento de carinho que se desenvolve entre seres que possuem a capacidade de demonstrá-lo, o amor é a força maior que nos impulsiona rumo às nossas realizações vida afora. Por mais que etimologicamente, o termo “amor” tenha sido originário do latim “amor”, e que a palavra tinha justamente o mesmo significado daquilo que atualmente conhecemos como sentimento de afeição, paixão e grande desejo, ele atravessa a fronteira cognitiva de nosso ser para se espraiar em várias outras dimensões pertinentes.
Tomando emprestada a expressão do filosofo francês René Descartes (1596-1650). “Cogito, ergo sum” – “Penso logo existo”, poderíamos parafraseá-lo afirmando: “amo, logo existo”. Quem ama está vivo! Pulsa nas veias sob as coordenadas do coração, este sentimento que precisa ganhar a luz do dia em formatos vivenciais. Estes formatos podem ser traduzidos em pelo menos quatro dimensões válidas e necessárias do amor: dimensão pessoal; dimensão social; dimensão comunitária e dimensão política. Dimensões estas que nos direcionam rumo ao existir nas relações deste mundo.
O amor é ação! O amor é transformação! O amor é movimento em saída. Sair de nós mesmos e ir ao encontro do outro. Às vezes, ao encontro de nós mesmos. Quem não se encontra consigo mesmo não é capaz de encontrar-se com o outro que está logo ali. O amor também é encontro. O amor também dói, pois ao encontrar-nos com o outro, a dor dele passa a ser sentida em nós. Trazer a dor do outro para dentro de nosso coração (misericórdia). Sentir a dor do outro. Isto é o que se chama de empatia, quando nos colocamos no lugar do outro, sem deixar de sermos nós mesmos. Neste sentido, Jesus nos dá uma dica bacana de como concretizar isto, ao afirmar: “Ame ao seu próximo como a si mesmo”. (Mt 22,39)
Só o amor tem a força necessária para a mudança e a transformação. Como nos dizia Nelson Mandela: “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar”. Assim, somos permanentemente “aprendentes do amor”. Na linguagem de Paulo Freire: “Quem ensina aprende ao ensinar. E quem aprende ensina ao aprender”. Na medida em que ensinamos, vamos aprendendo a amar amando e sendo amados.
Amar a Deus é amar quem Ele colocou ao nosso redor. Amar do jeito de Jesus. Amar como Jesus. Nestas condições, nunca que o amor está trancafiado apenas na dimensão pessoal, mas se expande para além da dimensão comunitária, social e política, pois estas são as formas que temos de fazer acontecer na sociedade o Reino pensado por Deus. Mesmo que alguns de nós tenhamos dificuldades de conceber a ideia da dimensão política do amor, sem esta dimensão, o amor fica apenas num mero entusiasmo de quem o vivencia apenas na dimensão pessoal egoisticamente. Que em 2022 abracemos a ideia da dimensão do amor sororal, num movimento de construir um mundo mais igual, fraterno, solidário, onde todos e todas possamos viver a dimensão maior do amor.
Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.