As faces do analfabetismo

Terça feira da quarta semana do tempo pascal. O mês de maio segue acontecendo. Já trilhamos um terço dele. Sob a perspectiva do Cristo Ressuscitado, vamos nós vivendo a nossa experiência pascal. Nosso Deus vive e presente está na nossa vida. Um Deus que se faz humano na pessoa do Filho. O Divino humanizando-se em nossa realidade terrestre. Deus presente e atuante em nossa atmosfera planetária. A unicidade de Deus se fazendo no Filho enviado pelo Pai. Como nos dizia o teólogo jesuíta francês Teilhard de Chardin (1881-1955): “Cristo tem um corpo cósmico que se estende por todo o universo”. Um Cristo cósmico que se fez presente nas falantes araras azuis, acordando o dia em meu quintal, atrás dos frutos adocicados de buriti e açaí.

Como entender este mistério de um Deus único, presente em três pessoas distintas, mas complementares? “Eu e o Pai somos um”. (Jo 10,30) Deus, em sua essência, Se faz carne, se torna um homem na pessoa de Jesus e nos possibilita fazer a experiência da encarnação do Verbo em nossas vidas. Deus que se faz em Jesus e também em cada um de nós, mostrando-nos que não estamos sozinhos como “arameus errantes” nesta vida. (Dt 26,5). Evidentemente que a origem messiânica de Jesus era uma realidade de difícil entendimento para as lideranças judaicas de seu tempo: “Até quando nos deixarás em dúvida? Se tu és o Messias, dize-nos abertamente”. (Jo 10, 24)

Tais lideranças religiosas, que cercavam Jesus, eram consideradas os “analfabetos funcionais cristológicos”. Pessoas que, apesar de saber ler e escrever a Lei, não eram capazes de interpretar a realidade que as circundavam. Viam Jesus atuando no meio delas, conheciam as suas ações e sinais libertadores, acolhendo todos aqueles e aquelas que eram os marginalizados, mas não conseguiam associar esta realidade do ser essência de Jesus, com a Divindade do Pai que o enviou. “Vós, porém, não acreditais, porque não sois das minhas ovelhas”. (Jo 10, 26) Além de analfabetos funcionais, eram também consideradas como ovelhas desgarradas, pois não estavam em sintonia com o Bom Pastor.

Como estamos em 2022 e a CNBB nos provoca a trabalhar neste ano a temática da educação: “Fala com sabedoria, ensina com amor” (Pr 31,26), temos enormes desafios pela frente, se quisermos levar adiante uma proposta de educação de qualidade social para os estudantes da educação básica em nosso país. Segundo dados do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), estima-se que haja no país um quantitativo de 15% da população brasileira com idade entre 15 e 24 anos que é considerada analfabeta funcional. São aquelas pessoas que sabem ler e escrever, mas são incapazes de interpretar aquilo que leem e de usar esta leitura e a escrita em atividades cotidianas.
Sem falar na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), feita em 2019 pelo IBGE, revelando que o Brasil possuiu uma população de 11 milhões de analfabetos.

Além do analfabetismo clássico e de seu primo-irmão, o analfabetismo funcional, há ainda os analfabetos políticos. Vivem alardeando que “odeiam a política” e vivem-na intensamente, fazendo a “política dos grandes”, que constitui a elite burguesa dominante, inclusive nos “Pórticos de Salomão” das nossas igrejas. Mal sabem eles que da sua pseudo-neutralidade, acontecem os horrores na vida pública nos parlamentos por este Brasil afora. Sobre a atuação na política, nosso bispo Pedro assim resumiu em uma de suas falas: “A política, exercida com espírito evangélico, é uma verdadeira ‘diaconia’ que a Igreja ainda não sabe valorizar adequadamente. Ou a utilizamos reduzindo-a a ministério de bastidores eclesiásticos, ou a evitamos farisaicamente como profana.”

Eu diria que além destes analfabetos todos supracitados, há ainda os “analfabetos eclesiais”. Estes são terríveis. Como os analfabetos funcionais, leem o Evangelho, vêem as palavras de Jesus, mas não decifram e nem decodificam em gestos concretos de vivência de sua fé encarnada na realidade. “Pessoas de bem” que rezam e adoram o Deus do Templo, mas que vivem uma eclesiologia distante da realidade sofrida dos empobrecidos e marginalizados por esta sociedade. Se dizem católicos, adoram o “Deus dos católicos”, levando-nos a dúvida de que seriam ao menos cristãos. Para estes vale uma das frases ditas pelo Papa Francisco: “Eu acredito em Deus. Não em um Deus católico, pois não há Deus católico, só há um Deus.” O mesmo Deus que nos revelou o Filho, que não precisa de provas de seu messianismo, pois os fatos concretos e suas ações e sinais no meio de nós comprovam que é Deus quem age n’Ele.


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.