Quinta feira da sexta semana do tempo pascal. Caminhamos para mais um final de mês, galgando os passos de nossa realização pessoal e comunitária. Nascemos para ser felizes e realizarmos o sonho de Deus em nós. Viver pressupõe estar em sintonia com as pessoas. Sintonia esta que começa na família, mas que também se estende para a grande família humana da qual cada um de nós faz parte. Como nos dizia o nosso bispo Pedro: “A família humana é uma só. E Deus quer que sejamos uma família. Sobretudo aqueles que acreditamos n’Ele”. Cada um de nós é um elo desta grande corrente humana, criada por Deus na busca pelo bem viver.
Se somos parte deste todo, não há possibilidade de felicidade, quando alguns dos nossos membros desta grande família humana não estão. Estamos convivendo diuturnamente com o problema das pessoas que passam fome. A fome sempre foi um problema grave no Brasil, porém esta situação se agravou com a pandemia. Se antes havia cerca 57 milhões de pessoas vivendo em insegurança alimentar no país, estima-se hoje que uma totalidade de 116,8 milhões destas pessoas passaram a conviver com a insegurança alimentar. Como no caso de um pai de família que, ao dar seu depoimento para um dos telejornais, afirmou que veio buscar uma “quentinha” para alimentar a sua família de quatro pessoas. Ele mesmo abria mão de comer para que a esposa e os dois filhos se alimentassem.
Vivemos uma grande crise humanitária. O Brasil faz parte desta crise com grande parcela de contribuição. Enquanto a nossa gente passa fome, nossos parlamentares estão preocupados em aprovar projetos desconexos desta realidade. Exemplo claro disso, foi a conclusão feita pela Câmara dos Deputados nesta ultima quinta-feira (19) aprovando o projeto que regulamenta a prática do ensino domiciliar, conhecida como “homeschooling”. O texto agora seguirá para o Senado. Como se a solução para a educação brasileira, fosse o ensino domiciliar, retirando das crianças a socialização com os filhos das outras famílias, dentre outras possibilidades de amadurecimento.
No ano em que a Campanha da Fraternidade nos provoca refletir sobre “Educação e Fraternidade”, vemos a família parlamentar que vive na “ilha da fantasia” chamada Brasília, discutir também a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 206/2019, que propõe a cobrança de mensalidade dos alunos das Universidades Públicas. Tal iniciativa retira, de vez, a possibilidade dos filhos das famílias de trabalhadores de baixa renda, o acesso à Universidade. Aliás, a elite burguesa deste país escravocrata, nunca aceitou que os pobres das periferias, o filho da empregada doméstica, estudassem lado a lado como os seus filhos nos bancos das universidades, num mesmo plano de igualdade. “Universidade não é lugar para pobre”.
Como vemos, a crise em que vivemos é muito mais profunda que imaginamos: crise econômica; crise social; crise política; crise ética e moral; crise de representatividade. Crise de falta de vergonha na cara. A palavra crise é originária do grego “krisis”, que quer significar “juízo”, como decisão final sobre um processo e ainda, num sentido maios amplo, decisão de um acontecer num sentido ou noutro. Crise que faz parte da existência humana, uma vez que nalgum momento de nossas vidas haveremos de por ela passar, seja de um jeito ou de outro. Crise que requer administração, cuidado e atitude de enfrentamento, como forma de dela sairmos, dando a volta por cima. No dizer do sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017): “Não são as crises que mudam o mundo, e sim nossa reação a elas”.
Crise pela qual também passaram os discípulos seguidores de Jesus diante de sua aparente ausência. “Pouco tempo ainda, e já não me vereis. E outra vez pouco tempo, e me vereis de novo”. (Jo 16,16) Enquanto Jesus os segue preparando para a sua breve partida para o Pai, o clima de tristeza se apodera de cada um deles, ainda sem entender nada daquela momento. Num primeiro momento, a morte de Jesus significará ausência e tristeza. A crise se abatendo sobre aqueles que o seguia mais de perto. Todavia, o estar de Jesus em Deus, provoca a alegria, uma vez que será o princípio de uma presença nova, a presença do Ressuscitado, que age mediante o Espírito Santo. Experimentar a crise da ausência de nós mesmos, para sermos preenchidos pela presença amorosa de Deus no Filho, que Ressuscitado vive em nós. Fazer em nós a mesma experiência acrisoladora da semente que, para germinar, passa necessariamente pela crise da morte, mas renasce em novos frutos abundantes. A ausência gera a crise. A crise gera a oportunidade. A oportunidade provoca o esperançar. O esperançamento brota também da crise superada em novas utopias almejadas.
Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.