Autoridade e poder

As portas de agosto se fecharam e o mês de setembro chegou anunciando a boa nova do Reino das flores e da renovação da mãe natureza. Uma quarta feira onde ainda predomina a fumaça, e o respirar se torna difícil. É impressionante como o “bicho homem” não aprende nem mesmo diante de uma pandemia de proporções gigantescas para a humanidade! O primeiro dia do mês deveria ser aquele dia que estaríamos nos preparando para a chegada da irmã primavera, mas com tanto fogo a nossa volta, a natureza geme e chora em dores de parto. Uns poucos fazem, e todos nós pagamos o pato. Tal situação trouxe-me a mente uma das frases ditas pelo filosofo existencialista francês Jean paul Sartre (1905-1980): “A questão não é o que fazem conosco, mas sim o que fazemos com o que fazem conosco”.

No intuito de aliviar o clima de fogo e fumaça, rezei hoje recorrendo a uma das canções de meu conterrâneo Beto Guedes, “Sol de Primavera”. Uma das mais belas canções que prenuncia a chegada deste mês tão importante, em que a natureza, por mais maltratada que seja, como a uma fênix, faz brotar das cinzas a nova vida. Resistência e teimosia do broto que insiste em se fazer vida para além de si. O mistério da criação de Deus, que vem de dentro e se renova, das entranhas da terra se renovando e nos renovando. Mistérios que nos circundam como nos diz o psicanalista, educador, escritor Rubem Alves (1933-2014) “Quem tenta ajudar uma borboleta a sair do casulo a mata. Quem tenta ajudar um broto a sair da semente o destrói. Há certas coisas que não podem ser ajudadas. Tem que acontecer de dentro para fora.”

Primeiro de setembro, um divisor de águas que poderá ser estabelecido para os povos originários a partir desta data. Possivelmente, no dia de hoje, o Supremo Tribunal Federal (STF), dará prosseguimento ao julgamento histórico sobre o “marco temporal”. A sessão naquela casa, está prevista para começar às 14 horas do dia de hoje. Os indígenas continuam mobilizados, a espera do resultado que pode sair daquela corte. Por mais que os meios de comunicação, nada divulguem, acerca da demonstração de união e força de nossos povos indígenas, eles ali estão lutando para que uma das páginas de nossa Constituição Federal não seja literalmente rasgada. Se alguém tinha alguma dúvida de que lado estão tais meios de comunicação, a caveira do latifúndio, aparece estampada no ar. “Marco temporal” não mesmo!

Por outro lado, este é também um dia significativo para a nossa caminhada de Igreja povo de Deus. Neste dia, o Papa Francisco está nos convocando para o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação. Inicia no dia de hoje, e vai até o dia 04 de outubro, na festa de São Francisco de Assis. O tema que perpassará todo este período de oração será: “Uma Casa para Todos”. Tempo mais do que necessário para renovarmos a nossa relação com o Criador e toda a criação através de uma conversão de pensamentos e atitudes, que nos leve a estabelecer um compromisso concreto para construirmos juntos outro mundo possível que caiba todos os filhos e filhas de Deus. Um desafio que nos é colocado como seguidores de Jesus de Nazaré, o homem Deus que se fez presente em nossa história humana.

Jesus é o cara! É Ele a nossa projeção e modelo para chegarmos ao plano do Pai. Modelo de servidor das causas dos pequenos. No evangelho de hoje, por exemplo, o vemos utilizar um verbo que faz todo o sentido e a diferença, quanto ao seu empenho para estar permanentemente ao lado dos pequenos: “inclinar”. “Inclinando-se sobre ela…” (Mt 4,39) Jesus que se coloca nas mesmas condições em que as pessoas mais pobres se encontram. Ao nível delas, como os indígenas que, ao falar com as crianças, abaixam-se na mesma estatura delas, pois entendem que se falarem estando de pé, a mensagem passa por cima e assim elas não compreendem. Um olhar “olho no olho”, pois estes são as portas que se entreabrem para adentrar o coração.

Jesus que se posta diante das lideranças político-religiosas, com autoridade, traduzindo o seu poder em serviço aos pequenos. Aliás, esta deveria ser a atitude de todos aqueles e aquelas que se fazem autoridades. Ainda mais para aquelas pseudo-autoridades que alardeiam alto e bom som: “Deus acima de tudo”. Jesus tem um recado muito propicio a seus seguidores quanto a isto: “Vocês sabem: os governadores das nações têm poder sobre elas, e os grandes têm autoridade sobre elas. Entre vocês não deverá ser assim: quem de vocês quiser ser grande, deve tornar-se o servidor de vocês; (Mt 20, 25-26) Ou seja, Jesus mostra que a única coisa importante para aqueles que o seguem é o mesmo exemplo seu: inclinar, servir e não ser servido. O exercício da autoridade não é exercício de poder, mas a qualificação para o serviço que se expressa através da entrega de si mesmo para o bem comum da “Casa para Todos”.

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.