Banzo

No filme AMISTAD do diretor Steven Spielberg e roteirista David Franzoni de 1979, que narra o trafego negreiro a bordo de um navio em 1839, tem uma cena belíssima e ao mesmo tempo chocante. Na referida cena, uma negra escravizada, dando de mamar ao seu filho e, sentada no parapeito do navio, numa atitude de desespero e sem perspectivas, ela simplesmente se joga para trás com a criança, desaparecendo nas águas do mar. Choro todas as vezes que assisto ao chegar nesta cena fatídica

Esta grande mancha na História Brasileira que foi o escravagismo denota uma das páginas mais cruéis e que jamais poderemos nos esquecer. Para nós, a escravização do negro teve o seu início por volta da década de 1530, quando os portugueses implantaram as bases para a colonização da América portuguesa. Isso foi possível porque por causa da necessidade de mão de obra para atender, mais especificamente, à demanda dos portugueses com o trabalho na lavoura. Este processo deu-se, primeiramente, com a escravização dos indígenas, e, ao longo dos séculos XVI e XVII, foi sendo substituído pela escravização dos africanos, trazidos por meio do tráfico negreiro.

A situação era tão cruel que uma parte dos negros, ainda nas embarcações, eram acometidos de uma depressão tão profunda, e muitos vinham a óbito. A esta depressão, deram o nome de banzo. Na realidade, esta é uma palavra de origem do quimbundo denominada de mbanza, que queria dizer “aldeia”. Esta tristeza ou melancolia era ocasionada ao negro, pelo afastamento de sua terra natal e da privação da sua liberdade. Sem falar que também sofriam também com a prática de maus tratos e o trabalho forçado.

A coroa portuguesa foi extremamente cruel com indígenas e negros, isso com a conivência da igreja católica. Por mais que tivessem criado leis para favorecer os negros escravizados, muitas delas foram nada mais do uma farsa, como a Lei Áurea de uma tal princesa Isabel. O fim do processo de escravização negra só foi possível graças a intervenção da Inglaterra que necessitava de mercado consumidor para os produtos oriundos da Revolução Industrial de 1750.

A outra farsa é a Lei do Ventre Livre de 1871. Segundo esta lei, era concedida a liberdade para os filhos de escravas que nascessem a partir da data que a tal lei foi vigorada. A pergunta que fica é, como pode ser livre a criança que tem os pais escravizados? Dai fica mais do que caracterizado a farsa que a história nos conta e muitos dos nossos professores, nas nossas escolas, ficam perpetuando estas mentiras tolas.

A outra farsa que vem na mesma direção é a Lei dos Sexagenários promulgada em 28 de setembro de 1885. Esta famigerada lei dispunha que os negros que atingissem a idade igual ou superior a 60 anos, era lhes concedido a liberdade. E a pergunta que fica mais uma vez é, qual deles atingia esta idade? Como eram penalizados com os trabalhos forçados, os maus tratos e a alimentação escassa,muitos deles morriam bem antes. Segundo estudos feitos por historiadores, o período de vida útil de um escavo era de no máximo 7 anos. Depois disso, caia doente e era abandonado.

Vejam que a história deste nosso país está cheia de incongruências e contradições. O mínimo que se espera dos nossos professores nas nossas escolas é que façam o contraponto de uma leitura crítica da história. Cruel, desumana, violenta e uma das mais longevas da história, a escravidão no Brasil teve motivações econômicas, mas suas consequências foram terríveis para os escravos e se fazem sentir até hoje em nosso país na forma de racismo e discriminação social que atingem os afro-descendentes. Isso sem falar no famoso mito da democracia racial. Mas isto é uma outra história que contarei depois.