Boniteza, amorosidade, procura

Penúltimo sábado do mês de setembro. Os meses estão voando. Já estamos na segunda quinzena do mês de setembro e a primavera desponta no horizonte de nossas vidas. Está logo ali à frente, reflorestando a natureza, tão castigada pela voracidade humana nestes tempos bicudos. Mesmo assim, a seiva da vida insiste em querer se renovar, na ideia do broto que faz germinar a vida. Das cinzas, ressurge o milagre da vida que se faz nova, semeando a esperança de que ainda vale a pena acreditar e sonhar.

O Planeta Terra é lindo! Ele nos provê de todo o necessário para vivermos sobre a sua face. Desde o ar que respiramos, até os alimentos que a terra produz, nos faz privilegiados por aqui estar, mesmo não sabendo direito de como melhor cuidar deste nosso espaço vital. A nossa Casa Comum é a casa de todos, por mais que alguns queiram apossar dela como propriedade exclusivamente sua. De tanto que a degradamos, ela chegou à conclusão de que já “não nos quer por aqui” (L. Boff). Ela está desistindo de nós, mas também não é para menos, como atesta-nos o cantor e compositor mineiro Beto Guedes: “Terra, és o mais bonito dos planetas. Tão te maltratando por dinheiro. Tu que és a nave nossa irmã”.

Um sábado que nos coloca num contexto bastante apropriado para sabermos reconhecer que somos seres muito importantes a habitar este planeta. No dia de amanhã, estaremos celebrando a vida de nosso maior educador. No dia de amanhã, Paulo Freire estaria completando 100 anos. O Patrono da Educação Brasileira, este pernambucano que nasceu no Recife, é reconhecido mundialmente pelo método de alfabetização desenvolvido aqui no Brasil, a partir da década de 1960, ajudando os empobrecidos a lerem o mundo, a partir de seu processo de alfabetização.

“A leitura do mundo precede a leitura da palavra” (P. Freire). Ou seja, o alfabetizando, antes de tomar contato com a palavra que aprende a conhece-la (decifrá-la), constrói primeiramente a sua leitura do mundo. Ler o mundo é aquilo que classicamente a filosofia chama de cosmovisão, que nada mais é que a visão de mundo que temos, através de uma maneira subjetiva de ver e entender a realidade, constituída de relações humanas, onde os papéis das pessoas, tem uma razão de ser na sociedade. Esta visão de mundo é delineada por um conjunto de valores, crenças, impressões, sentimentos, concepções de natureza intuitiva, deste espaço em que vivemos. Tal visão de mundo depende muito de onde os nossos pés estão pisando, como diria Leonardo Boff: “A cabeça pensa a partir de onde os nossos pés estão pisando”.

A participação de Paulo Freire no processo de construção da educação brasileira é de fundamental importância, por mais que alguns dentre nós, não veem assim. Sua atuação na educação, provocando os alfabetizandos a pensar, incomodou ferozmente alguns setores de nossa sociedade, sobretudo dos militares de plantão. Um povo que pensa, é um povo que conhece a sua história de vida, e entende o processo de exploração a que está submetido. Enquanto isso, Freire seguia introduzindo alguns conceitos que vieram para ficar. A boniteza e a amorosidade, faziam parte do seu jeito simples de ensinar, ganhando adeptos por este Brasil afora, afinal como ele mesmo nos dizia: “A educação é antes de tudo um ato de amor”.

Tive o meu primeiro contato com aquele educador em 1979, ano em que voltara do exílio após 15 anos fora do país. Estava eu iniciando o curso de filosofia e tive o prazer de ouvi-lo, em uma de suas palestras. Estávamos todos maravilhados com aquela forma simples e direta de lidar com a educação. Educação Como Prática de Liberdade foi o primeiro livro de Paulo Freire que li. Líamos avidamente aquelas palavras que tratavam de uma forma muito simples de ensinar. Com ele fomos também construindo o nosso perfil de educadores, lembrando sempre de uma de suas frases que muito nos marcou nesta trajetória: “Ninguém ignora tudo. Ninguém sabe tudo. Todos nós sabemos alguma coisa. Todos nós ignoramos alguma coisa. Por isso aprendemos sempre”.

Freire nos ensinou e ajudou a semear a semente da esperança no chão da educação brasileira. Nos fez sonhar com uma educação que não fosse meramente transmissão de conteúdos. Vasculhando o Arquivo da Prelazia, encontrei um dos escritos de Pedro sobre Paulo Freire: “A nossa Prelazia de São Félix do Araguaia deve a Paulo Freire o primeiro e melhor instrumento de penetração na alma deste povo, retirante entre o Araguaia e o Xingu, naqueles dias analfabetos da ditadura militar. Seu método, seu testemunho, seu espírito nos ajudam a inculturar-nos historicamente nos povos indígenas e sertanejos da região”. Que alegria saber que um dos maiores pedagogos do mundo é nosso. “A alegria não chega apenas no encontro do achado, mas faz parte do processo da busca. E ensinar e aprender não pode dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria”. (Paulo Freire) Viva Paulo Freire!

 

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.