C-oração

Quarta feira da 27ª semana do tempo comum. Nossa caminhada continua. O mês missionário vai ganhando os seus contornos. Momento oportuno para rever a nossa missão neste mundo e nos perguntar qual o sentido que estamos dando ao nosso existir? Uma pergunta pertinente que vamos respondendo a cada passo dado. Não existem respostas prontas. Elas vão sendo equacionadas e elucidadas na medida em que vamos caminhando. Um caminho que não está pronto e acabado, mas vai se delineando a cada instante: “Caminante no hay camino, el caminho se hace al andar”, já nos diria o poeta espanhol Antonio Machado (1875- 1939)

A grande temática a qual somos chamados a refletir hoje é sobre a oração. Orar é entrar em sintonia com Deus. Fazer a experiência de maior proximidade da criatura junto ao Criador. De um lado, a pequenez do ser limitado, carente. De outro, a grandiosidade do Onipotente. Se somos a imagem e semelhança de Deus (Gn 1,26), neste estar a sós com Ele compreendemos melhor as nossas limitações e a necessidade de que Ele seja em nós. O meu eu fragilizado, se torna preenchido com a presença da amorosidade deste Deus que quer ser e estar em nós. Oração que Santo Agostinho assim a define: “A oração é o encontro da sede de Deus e da sede do homem”.

Antes de ser um Deus “todo poderoso”, o nosso Deus se faz plenitude na misericórdia em toda a sua boniteza. É o coração de Deus que se abre por inteiro em afeto. Ele é misericórdia em forma de amorosidade, ternura e compaixão. Se bem lembrarmos, a palavra “misericórdia”, em seu sentido original no latim, significa ter o coração inteiro (cors) voltado para os pobres (miseri), permanecendo em comunhão com eles. Deus é misericórdia sempre! Esta mesma palavra que antropologicamente, se assemelha muito a palavra compaixão. Compaixão é sentir e sofrer com os mais vulneráveis, os pobres, os excluídos, aqueles cuja vida é mais agredida e diminuída. Ou seja, é a atitude de quem consegue sair de seu egoísmo e se colocar na direção dos outros, sobretudo aquelas pessoas atingidas pela pobreza e por todas as formas de vulnerabilidade.

Oração que se faz com o c-oração. Mais do que qualquer raciocínio, quem reza precisa se abrir de coração para assimilar a presença de Deus nele. A cabeça pensa, mas o coração é quem sente. Uma mente aberta, torna mais aberto ainda o seu coração. Estar a sós com Deus, é fazer a experiencia de trazê-lo dentro do próprio coração. Esta foi a experiencia feita por Jesus na sua sintonia com o Pai, ao ponto de afirmar: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10,30). Ele define a sua condição de Messias, apresentando-se como o Filho de Deus. As provas de seu messianismo não são teorias jurídicas, mas fatos concretos: suas ações comprovam que é Deus quem age n’Ele e através d’Ele.

Assim, orar/rezar não é nos perdermos num amontoado de palavras desconexas e ininteligíveis. Também não precisamos lembrar aquilo que Deus já sabe a nosso respeito. Deus já tem conhecimento de tudo o que somos. Vale aqui lembrar a narrativa de Pedro: “Senhor, tu sabes tudo…” (Jo 21, 16). Desta forma, não precisamos de muito palavreado para nos comunicar com Deus através de nossa oração. Enganam-se aqueles que acham que o muito falar nos aproxima mais de Deus. Não é o muito falar que faz da nossa oração algo mais significativo para Deus. Oração e ação caminham lado a lado inseparavelmente. Rezar e ao mesmo tempo fazer, como nos diz o lema beneditino “Ora Et Labora”, que Tiago na sua carta assim resume: “A fé sem as obras é morta”. (Tg 2, 17)

De tanto ver Jesus que rezava, os seus seguidores o pedem que Ele os ensine também a rezar. O Mestre lhes dá a dica da oração do Pai nosso. Era muito comum que os mestres ensinassem os seus discípulos a rezar, transmitindo-lhes o resumo da própria mensagem. Assim, Jesus lhes ensina a oração do Pai Nosso, mostrando-lhes o conteúdo fundamental de toda oração cristã. Todo cristão conhece a Oração do Pai Nosso. Todos nós a rezamos no nosso cotidiano. Entretanto, rezar o Pai Nosso é antes de tudo comprometer-nos pelo pão que falta às mesas dos mais pobres. Pão que é o símbolo da Eucaristia, ocasião em que fazemos o memorial da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus. Eucaristia que não alimenta somente a alma, como alguns querem crer, mas nos faz comprometer com o Projeto de Deus revelado em Jesus de Nazaré. É muito perigoso comungar deste Pão que é o próprio Jesus. Comungar deste pão, “é tornar-se um perigo”, como diz a canção. Só tem lugar na mesa da Eucaristia para quem é também capaz de partilhar cotidianamente o pão, aos que estão com fome e sede de justiça. Assim, comungar é comprometer-se a lutar por uma sociedade mais justa, mais fraterna e solidária, com ternura, misericórdia e compaixão.


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.