Carta Pastoral: O novo depois da pandemia

Carta Pastoral
Ao Povo de Deus da querida Diocese de Coxim
Agosto de 2020

O novo depois da pandemia

Querido irmãos e irmãs, desejo para todos e todas a paz e o amor do Senhor. Cinco meses de pandemia estão mudando a maneira de pensar e de agir. Nisso tem um aspecto positivo. Estávamos nos acostumando a fazer atividades que – ao final – não atingiam a maioria dos nossos fiéis e, às vezes, nem ajudavam os mais fiéis a progredirem no caminho da santidade. Todos falamos de um NOVO que está surgindo. Nisso todos falamos a mesma língua. Mas, depois, ninguém sabe no que consiste este novo. Já o Documento de Aparecida (2007) falava de “conversão pastoral”, explicando que não se tratava só de mudar alguma coisa exterior, mas todo um conjunto deveria mudar: o espiritual, o pastoral, o econômico, as estruturas etc. Porém, de lá para cá não aconteceu muita “conversão”! Primeiramente, então, temos que mudar o nosso modo de pensar, refletir sobre os valores importantes da vida e procurar sempre e só o essencial. Na Sicília, em 1958, foi publicado um romance “Il gattopardo”, que descreve a situação da mudança do regime feudal ao democrático. É bem clara a posição dos grandes proprietários de terras que exploravam os pobres arrendatários e queriam mudar alguma coisa, para deixar tudo como era antes. De lá saiu o provérbio: “Mudar algo para não mudar nada”. Isso não aconteça entre nós. Agora, queria refletir com vocês sobre como podemos concretizar este NOVO em todos os setores da nossa ação evangelizadora e pastoral.

O novo

I. Na catequese
A situação atual não permite continuar com os encontros como eram feitos antes. Um catequista, que também tem filhos na catequese, dizia: “Nem eu vou dar catequese na Igreja, nem vou mandar meu filho”. Tudo por causa do medo provocado pela pandemia. Uma mãe proibiu o filho, que é acólito e tem 18 anos, de ir à Igreja. Esta é a situação. Podemos nos acomodar e nos resignar? Claro que não. Não é a atitude de uma pessoa de fé, aberta à ação do Espírito que faz novas todas as coisas.

Aqui começa, queridos irmãos e irmãs, o nosso trabalho. Trata-se de formar uma nova cultura catequética. E as mudanças culturais, não acontecem de um dia para outro. Tem que ter paciência. Há quanto tempo falamos que a Catequese não pode ter uma metodologia escolar. Mas o que mudou até agora?

Tem que começar a catequese em família.
Alguma experiência, tímida, já estava aparecendo: catequese nos setores. Agora é um passo muito além para se fazer. É na casa mesma de cada criança e adolescente que deve acontecer. Os pais serão os catequistas. Se não forem os dois, ao menos um: ele ou ela. Repito: não vai ser amanhã, mas tem que começar. Formação é a palavra de ordem. É importante que os presbíteros, primeiros catequistas nas paróquias, estejam convencidos. Vai aumentar o trabalho, mas é nosso
dever.

II. Na liturgia
Nestes meses, aprendemos a valorizar mais a Palavra de Deus. Compartilhamos a situação dos nossos irmãos da Amazônia que, raramente, podem celebrar a Eucaristia. Os nossos seminaristas que foram lá no mês de janeiro contaram que visitaram uma comunidade que há oito anos não via um padre para celebrar a Eucaristia. E a fé dela era viva. Como foi alimentada? Com a Palavra, celebrada e vivida em comunidade.

Os nossos fiéis sabem da importância da Eucaristia e, por isso, sofrem e reclamam muito pela impossibilidade de participarem neste tempo de pandemia, quando as igrejas ficaram fechadas. Agora estamos assistindo a um fenômeno estranho. Quando as igrejas estão abertas e podem receber até 30 % de fiéis, os bancos ficam cheios pela metade. Deste fenômeno falei na última carta, onde refleti sobre o medo e a situação dos casais com filhos pequenos.

Qual, então, pode ser o novo neste campo?

1. Dar valor à Palavra de Deus em família.
2. Comunhão espiritual.
3. As paróquias melhorarem o uso dos meios de comunicação social, estimulando os fiéis a ficarem sintonizados com a comunidade. Talvez, aqui precise gastar um pouco e valorizar o talento dos jovens, que gostam disso. É o novo!

 

III. Na coordenação

1. Caridade
Papa Bento XVI falava da “organização da caridade”. Eu várias vezes falei, mas pouco ou nada foi feito. Sempre tivemos pobres conosco, como Jesus profetizou, mas – neste momento – não só aumentaram, mas se criou um novo grupo de pobres: os de classe média decaída.

Isso está acontecendo muito na minha terra. São os pobres com dignidade, que não querem se expor e que nós devemos ajudá-los e respeitá-los. Aqui, muitos estão perdendo o emprego, então não se trata de uma ajuda esporádica. Por isso tem que organizar, para ser um auxílio eficaz e não desperdiçarmos recursos. As Cáritas, os Vicentinos, a Partilha entre outros são os nomes de algumas estruturas caritativas.

Passando da necessidade material àquela espiritual, teríamos que pensar numa estrutura de escuta, onde os primeiros operadores seriam os Padres, ajudados também por Leigos bem formados. A experiência numa paróquia parece que, num certo período, deu certo. Tem tanta gente com problemas, de todo tipo, que precisa desabafar, pedir um conselho ou uma simples oração. Muitos precisam só serem escutados. Nas nossas paróquias, que afinal são pequenas, precisa-se agendar de um dia para outro? Não deveríamos ser sempre disponíveis para este serviço que podemos chamar de essencial?

2. Comunicação
A dimensão missionária foi sempre o norte da nossa ação evangelizadora. Agora é exigida pela situação de distanciamento que se está criando entre nós e os nossos fiéis. “Se eles não vêm, é nosso dever ir até eles”. Neste sentido, a Carta às Famílias agora é mais necessária do que nunca. Uma só paróquia, neste período continuou firme, mês por mês. Compreendo a perplexidade que invadiu a todos nós em tudo, mas agora é o momento de se levantar e recomeçar com renovado fervor. Não só fazer, mas caprichar, especialmente a primeira página, a famosa “gota mensal de evangelização”.

2.1 Rádio
Em treze paróquias tem rádio. Em algumas, funciona bem o serviço da Pascom, enquanto que em outras mais ou menos, e noutras não tem a nossa presença. Parece que tem padres que tem medo que o microfone da rádio vá morder, mas não tem este medo na igreja. Por que esta diferença? Queremos que o nosso povo nos sinta perto dele? A rádio é uma ótima ocasião.

3. Grupos de famílias
Na última carta, falei de prudência, considerando caso por caso. Várias paróquias estão fazendo as lives. Ótimo! Também isso é o novo. Não é bicho de sete cabeças. Neste trabalho, é só valorizar os jovens que gostam disso. Para tanto, o “Entre Irmãos” n. 175 (agosto-outubro/2020) oferece mais dois encontros por mês, que juntos com os outros do subsídio, oportunizam encontros semanais.

4. Festas
Já fomos obrigados a mudar tantas coisas, mas no fundo do nosso coração está presente o desejo que, quanto antes, possamos voltar ao ordinário de sempre. Há muito tempo nós falamos que, se o Dízimo funcionasse bem, as nossas festas teriam outra fisionomia. A comunidade, como uma família, precisa de festas, que são um momento animador na caminhada da vida e da fé. Mas, deveriam ser confraternizações, para saborear a alegria de sermos família. Porém, ainda estamos longe disso. No entanto, tentar é impossível?

5. Construções e reformas.
A pandemia nos ensinou que tanta estrutura não serve para nada. Sempre falei que se a salvação dependesse das estruturas, há tempo seríamos salvos. Mas, não é assim. Nesse sentido, é claro que não podemos deixar desmoronar o que foi feito com tanto sacrifício, especialmente neste milênio, porque antigamente era a Alemanha que ajudou na maioria das construções que temos. Mas, em tudo, precisa mais serenidade e procurar sempre o essencial. A redução de gastos, em todos os níveis (pessoal e comunitário) é uma exigência, que nos torna solidários com o nosso povo que, às vezes, é obrigado a cortar despesas em casa e a renunciar ao necessário.

6. Emaús
Com a experiência do nosso encontro do Clero, podemos pensar em reuniões com pequenos grupos. Talvez, neste momento, para sair do letargo, poderíamos reunir só as lideranças de cada pastoral e movimento. Poderiam ser encontros só de um dia.

7. Pastorais e Movimentos
Até agora ficou tudo parado. Está na hora de acordar. Esperamos fazer o quanto antes um encontro com os Coordenadores de cada Pastoral e de cada Movimento. Eles podem seguir o exemplo dos professores que entram em contato com os alunos, ou via internet ou com material impresso. Afinal, videoconferências e Lives são outros instrumentos do NOVO.

Pensando bem, isso é o essencial. Os grandes encontros do passado previam muita preparação (começavam seis meses antes) e chegava a cansar enormemente. Mas, depois não continuava nada ou pouco na caminhada de fé. O pior era adquirir uma nova identidade (“cursilhista”, “campista”, “eccesista”, “carismático” etc….), que se sobrepunha à principal e única que leva à salvação:
Filho de Deus – Discípulo de Jesus – membro da Igreja.

A nova identidade tornava sempre disponíveis dentro do próprio movimento, mas muitas vezes não deixava tempo e vontade para servir a comunidade paroquial. Os padres acham dificuldade em encontrar Catequistas, Coordenadores e Animadores de Setor, Mensageiros e outros serviços, mas em todas as paróquias é fácil encontrar pessoas empenhadas nos movimentos. Nos encontros do Emaús, sempre reclamamos da diferença quantitativa na afluência das Pastorais e dos Movimentos. Agora vai melhorar alguma coisa? Estamos aprendendo a lição da pandemia?

Gostaria, ao final desta carta, agradecer os padres, pelo zelo mostrado na prudência e na obediência. Todos preocupados com a vida e a saúde do nosso povo. Deus recompense vocês. Com certeza, as irmãs religiosas, colaboraram com vocês; a elas também a nossa gratidão. A presença religiosa numa comunidade tem um valor grande, porque é sinal do Reino definitivo. O testemunho delas está mais no “ser” do que no “fazer”, isto é, elas testemunham o essencial. Obrigado, queridos irmãos capuchinhos (04) e Humildes Servos da Rainha do Amor (02) e Irmãs Religiosas (21 de cinco Congregações diversas).

Queridos irmãos e irmãs, aceitem estas minhas reflexões como ajuda neste momento difícil, para a retomada das atividades, com o NOVO surgido da pandemia. Coragem! “Ele está no meio de nós”. Do que podemos temer? O nosso lema – Alegria e entusiasmo – nos acompanhe no anúncio do Evangelho neste momento e sempre,

Com a bênção de Deus,

† Dom Antonino Migliore
Bispo Diocesano de Coxim