Já estamos no terceiro domingo do tempo comum (24). Hoje tive a grata felicidade de ser visitado por um casal de araras azuis. Imponentes e barulhentas Lindas! Veio ao meu quintal se alimentar das saborosas goiabas brancas, que cultivo com muito gosto, também para esta finalidade. Ficaram disputando espaço com os tucanos, fregueses de sempre. Não os da política, mas naqueles que ainda se salvam e nos quais podemos acreditar. Uma paisagem de cores diversas, fazendo o domingo iniciar-se em alto nível. Fica até fácil rezar neste cenário.
Influenciado pelo cenário acima descrito, no meu dialogo hoje com Deus, quis trazer presente comigo o grande filosofo holandês Baruch Spinoza (1632 – 1677). Tudo por causa da sua brilhante compreensão que tem de Deus. Segundo ele “Deus é o único motivo da existência de todas as coisas. É a substância única e nenhuma outra realidade existe fora de Deus. A substância divina é infinita e não é limitada por nenhuma outra, ela é a causa de todas as coisas existentes, que por consequência são manifestações de Deus”. Não é divino? Deus se manifestando nas araras azuis.
Fez-me lembrar de um dos meus maiores amigos, o também filósofo professor Alex Fabiano. Nunca vi alguém ter tanta admiração por Spinoza como ele. Mas eu quis me referir ao pensamento deste filósofo para elucidar o cenário sobre o qual estava eu a rezar. Somente Deus é capaz de nos presentear com uma natureza tão exuberante como a que temos por aqui. Isso depois de passarmos por uma catástrofe nos dois últimos anos, em que o fogo criminoso, destruiu boa parte desta mesma natureza. O poder de regeneração desta é maravilhoso! Não sabemos até quando. Esta destruição toda nos remete a uma das frases ditas pelo teólogo Leonardo Boff: “A Terra não nos quer mais por aqui”. E com razão.
Rezei também impactado pela lucidez do antropólogo, sociólogo e filósofo francês Edgar Morin. Do alto dos seus 98 anos de idade, fazendo uma leitura elucidativa diante da pandemia do coronavírus e do isolamento social em que estamos metidos. Para ele, este cenário “nos impõe desconstruções: a desconstrução da crença em verdades absolutas na ciência, da obstinação por garantias e certezas, e da pesquisa sem controvérsias.” Ou seja, por mais que estejamos ansiosos na busca por certezas, elas ainda não estão sendo vislumbradas num horizonte próximo de nós.
Nada que nos leve ao desespero também. Precisamos sim, buscar novos caminhos de uma nova vivência sobre o Planeta, possibilitando que a vida não seja tão menosprezada como estamos vendo. Certo é que, da forma como vínhamos vivendo irresponsavelmente, não poderá mais ser, num consumismo exacerbado, acompanhado da “cultura do descarte”. Descarte inclusive das nossas relações com as demais pessoas. Uma determinada pessoa me serve até o momento que ela me é útil. Do contrario, estou pronto a descartá-la na lata de lixo do consumismo.
Uma nova história precisa ser construída urgentemente entre nós. Historia esta que faremos acontecer com a nossa participação proativa e decisiva. Aqui já não cabe mais a omissão e a indiferença. Um novo caminho precisamos trilhar, se quisermos sobreviver diante do imponderável. As atitudes mesquinhas individualistas, não terão mais a sua vez. Devemos pois, abraçar a causa comum e recorrendo ao pensamento de Morin, seremos “obrigados a encarar as incertezas, mas que podemos abraçar a certeza dos fatos que acompanhamos diariamente: o despertar da solidariedade e a oportunidade de reforçar a consciência das verdades humanas que fazem a qualidade de vida: AMOR, AMIZADE, COMUNHÃO e SOLIDARIEDADE”.
“Mostrai-me, ó Senhor, vossos caminhos,/vossa verdade me oriente e me conduza!” Assim rezamos no Salmo 24 da liturgia deste domingo. Um caminho a ser percorrido, onde cada passo dado seja na direção do outro que comigo irmanado convive. Somos desafiados a construir uma Cultura de Paz. E como nos adverte o Papa Francisco, “não há paz sem a cultura do cuidado.” Cuidar de mim. Cuidar dos meus. Cuidar dos outros, como projeto de vida. “A cultura do cuidado, enquanto compromisso comum, solidário e participativo para proteger e promover a dignidade e o bem de todos, enquanto disposição a interessar-se, a prestar atenção, disposição à compaixão, à reconciliação e à cura, ao respeito mútuo e ao acolhimento recíproco, constitui uma via privilegiada para a construção da paz.” (Papa Francisco) Os dias são de muitas incertezas, mas a certeza maior é que estamos juntos lado a lado e que só iremos nos salvar quando todos nos darmos as mãos, ainda que simbolicamente.