Chave de leitura – Lucas 2

O segundo capítulo do Evangelho de Lucas é composto por uma série de pequenas perícopes sobre os acontecimentos da infância de Jesus. O autor não está preocupado com a precisão histórica dos fatos, mas com sua interpretação salvífica. O nascimento de Jesus é motivo de grande alegria, pois Nele o Senhor cumpre as promessas que fizera a Israel. Jesus é a maior intervenção de Deus na história da humanidade.

a) O nascimento de Jesus (Lc 2, 1-20)O nascimento de Jesus é situado no tempo e no espaço. Deus entra na história da humanidade. Desde o Seu nascimento, Jesus experimenta a rejeição e identifica-se com os pequeninos e marginalizados. Eles são os primeiros a receberem o anúncio da grande novidade do nascimento do Messias. Nos pastores, encontramos a dinâmica da fé: anúncio, acolhida e encontro com o Cristo. É dessa experiência que brota a verdadeira louvação ao Senhor da vida e da história. A criança recém nascida é reconhecida como Cristo e Senhor, indicando sua identidade e missão. O Menino também é chamado de Salvador, revelando que Ele é o cumprimento das promessas do Deus de Israel.

b) A circuncisão de Jesus (Lc 2, 21) – A circuncisão é um rito de iniciação no judaísmo. Através dela, a criança começa a fazer parte do Povo Eleito e tomava parte na Aliança com o Senhor. (cf. Gn 17) O nome tem um significado muito importante na tradição judaica. Ele expressa a missão de quem o carrega. O nome Jesus, em hebraico עושי, isto é, Yeshua, significa “Deus salva”, indicando assim a missão salvífica da criança que acabara de nascer.

c) A apresentação de Jesus no Templo (Lc 2, 22-28) – José e Maria vão ao Templo para cumprirem a Lei de Israel. (cf. Lv 12) Não se trata apenas do cumprimento duma ordem social, mas dum indicativo de que Deus está agindo concretamente na história e solidariza-se com todo o gênero humano. (cf. Gl 4,4) Em Jesus, não há uma ruptura, mas uma continuidade da história de Israel. Ele é o coroamento do projeto savífico de Deus e a grande libertação esperada pelo povo.

 d) O Nunc Dimittis[1] (Lc 2, 29-32)O cântico de Simeão revela o messianismo de Jesus. Ele é o Messias prometido por Deus. Jesus é o Ungido por excelência que levará a termo a obra salvífica de Deus. No entanto, Seu messianismo é diferente. Não se trata dum messianismo triunfalista como era esperado por muitos grupos. O messianismo de Jesus se dará à luz do Servo sofredor. (cf. Is 53)

e) A Profecia de Simeão (Lc 2, 33-35)O projeto de Jesus exigirá uma decisão radical. Por isso, Ele será causa de queda e reerguimento. O Messias inverterá toda a lógica social e religiosa do Seu tempo. Para aderir ao caminho de Jesus é preciso entregar-se de coração. Nem sempre, o caminho será fácil. Como Maria, também é preciso seguir o Cristo na dor. Quem se uni a Jesus em Sua Paixão experimenta a vida e a libertação que brotam da força da ressurreição.

f) A Profecia de Ana (Lc 2, 36-38)Apesar de discreta, a aparição de Ana no relato de Lucas é muito significativa. Como o velho Simeão, Ela reconhece Jesus como o Messias do Senhor. Com o coração cheio de Deus, ela se põe a anunciar a ação libertadora de Jesus, tornando-se assim a primeira Missionária do Mestre.

g) A vida oculta de Jesus em Nazaré (Lc 2, 39-40) Pouco sabemos sobre a infância de Jesus. A família de Nazaré era uma cumpridora fiel dos preceitos religiosos do seu tempo. Desta forma, Jesus assumia toda a nossa condição humana. (cf. Rm 13, 1-7)

h) Jesus entre os doutores (Lc 2, 41-50) Como todo adolescente, Jesus dá seus primeiros passos de independência. Novamente, Ele se submete à Lei do Senhor (cf. Dt 16,16). Mais do que um acontecimento surpreendente, o encontro de Jesus com os doutores é uma prefiguração daquilo que o Filho de Deus deverá realizar em Sua missão. Ele deve cumprir a vontade do Pai e retornar para junto D’Ele. Por isso, o Senhor O revestiu de toda autoridade.

i) Ainda vida oculta de Jesus (Lc 2, 51-52) Novamente, deparamo-nos com o mistério da vida oculta de Jesus. Apesar de Sua grandeza, Jesus não exigiu nenhum tipo de privilégio, mas foi obediente aos seus pais como qualquer outra criança, enquanto se preparava para a Sua Missão. Na vivência da sua humanidade, Jesus se revela Filho de Deus. Uma natureza não exclui a outra: o menino é verdadeiramente Deus e verdadeiramente humano. O silêncio de Maria nos revela a atitude contemplativa diante do Mistério.

Queridos peregrinos, Lucas narra os acontecimentos da Infância de Jesus numa perspectiva pascal. Tudo aquilo que se realiza no Deus Menino aponta para ao Mistério da Sua Paixão, Morte e Ressurreição. Essa narrativa nos ajuda a entender que o nascimento de Jesus não é um acontecimento aleatório. Ele se encaixa numa longa história salvífica, conduzida por Deus desde a origem da humanidade.

[1] Expressão em Latim que remete às primeiras palavras do Cântico de Simeão: “Deixai agora”.