Antes da entrada em Jerusalém, Marcos propõe quatro instruções básicas destinadas às comunidades cristãs que vivem no meio do mundo. As questões tratadas são: matrimonio, as crianças, a cobiça e a ambição. Nos quatro casos Jesus se põe do lado dos fracos. São quatro ensinamentos encenados, ou melhor, cenas que dão ocasião e ensinamentos transcendentes.
O casamento é indissolúvel – A lei de Moisés (Dt 24, 1-3) tentava proteger os direitos da mulher, mesmo concedendo vantagem ao homem. A teoria fisiológica da época favorecia a parcialidade em favor do homem. A lei do divórcio era uma concessão em regime de mesquinhez, que muitas vezes se interpretava com perigosa leviandade ao definir essa “coisa vergonhosa” de que fala a lei. Os fariseus querem “por à prova” Jesus num assunto tão central como o matrimonio. Apresentam a questão partindo da Lei de Moisés, supondo que Jesus, mais do que propor uma interpretação alternativa, invalide a lei. Marcos imagina uma discussão pública na presença da multidão visto que o matrimonio interessa a todos.
Jesus abençoa as crianças – ao contexto geral do matrimonio pertencem também as crianças. Eram desejadas e estimadas como uma vida limitada; eram bem tratadas. Possivelmente o Mestre dialogava como os seus e pais responsáveis superavam barreiras levando os filhos ao encontro dele. Todavia, até a maturidade responsável não gozavam de plena consideração.
Marcos transforma uma ou várias sentenças de Jesus sobre as crianças numa cena que conjuga gestos com ensinamento.
A atitude dos discípulos serve de contraste. Poderia representar uma tendência na comunidade. As crianças são merecedoras de respeito e carinho; tem livre acesso a Jesus e ninguém deve impedi-las. São além disso, exemplo de como deve acolher reino de Deus. Por qual qualidade? Talvez pela simplicidade sem preconceitos; ou pelo abandono confiante (Sl 131). As carícias e a benção de Jesus são já um acolhê-las no reino.
Perigo das riquezas (cobiça). Promessa do Cêntuplo- (Mc 10, 17-31). Seguem se três ensinamentos sobre a posse: a vocação de um rico (17-22), o impedimento da riqueza (23-27), o prêmio da pobreza (28-31). O tema da vida eterna abre e fecha a perícope (17 e 30). O tema do reino centraliza-a (23.24.25).
Com poucos vv. O narrador compõe uma cena intensa e convincente. Vemos o home entusiasta e decidido, que vem correndo (quer chegar por primeiro? ). A atitude é inusitada: corrida e prostração ante o Senhor. A interrogação é ao menos correta. E vemos Jesus corrigindo e temperando o título.
O homem propõe sua consulta em termos tradicionais: o que é preciso fazer para conseguir, visando ao mais alto. No Deuteronomio, Deus promete vida ao povo na terra prometida; o jovem refere-se à vida perdurável na era definitiva. Todavia conserva a mesma espiritualidade de obras. A essa colocação responde suficientemente o decálogo, citado nos deveres para com o próximo.
O seguimento a Jesus Cristo requer renúncia. Se não é capaz de renunciar à riqueza, ama a Deus de todo coração? Ou tem o coração dividido? Terá cumprido todos os mandamentos exceto o primeiro de amar a Deus. A companhia ou seguimento de Jesus justifica a exigência; mas não se propõe como condição para “herdar a vida eterna”, embora receba em troca um tesouro celeste (ou de Deus). A esmola, tão estimada na espiritualidade bíblica, não é a renúncia total que Jesus lhe pede.
Terceira predição da Paixão – Mc 10, 32-34 – Por duas vezes o Mestre falara de misteriosos sofrimentos e morte na cidade santa. Além disso, sabiam que lá estavam os mais ferrenhos inimigos do Senhor, pessoas capazes de tudo e como o clima estava carregado contra ele. Mesmo possuídos pelo medo, caminhavam com o Mestre amado. Desta vez a caminho de Jerusalém.
Pedido de Tiago e João (ambição) 10, 35-45 – a cena é semelhante à discussão pelo primeiro lugar. O relato pressupõe nos irmãos uma concepção política do messianismo.
O mestre atendera tantos pedidos e súplicas feitos pela multidão; porque não atenderia dois de seus colaboradores e seguidores ? Eles a quem o Messias tratou como favoritos , querem assegurar para si nessa hora os dois primeiros postos de mando e de honra. Para isso estão dispostos a enfrentar as lutas e sofrimentos com seu chefe. Fazem o pedido em dois tempos, para conquistar a benevolência. Assim os apresenta Marcos.
A comunidade do Messias rege-se por princípios opostos ao do mundo. Nela, a ambição será substituída pelo espírito de serviço. Não é que o serviço seja meio para conseguir o primeiro lugar, mas que no serviço reside a dignidade. O máximo serviço de Jesus será dar a vida como resgate.