Como o Pai

Segunda feira da Segunda Semana da Quaresma. A semana iniciando e nos levando em direção às nossas realizações, construídas com a nossa vontade e o desejo de ser felizes sempre! Conosco vai o Senhor da História, presente em nossa caminhada na pessoa do Filho que assim nos garantiu através do último versículo do evangelista Mateus: “Eis que eu estarei com vocês todos os dias, até o fim do mundo.” (Mt 28,20) Não estamos órfãos e nem abandonados a mercê da própria sorte, uma vez que Jesus está vivo e sempre presente no meio da comunidade, como o “Emanuel”, o “Deus-conosco”. De descendência divina, Ele é gente como a gente.

Rezei nesta manhã trazendo presente a vida de um saudoso bispo. No dia de ontem (05) fizemos a memória da páscoa de um dos nossos grandes prelados: Dom José Ivo Lorscheiter (1927-2007). Dom Ivo foi o sexto bispo diocesano da cidade de Santa Maria/RS. Esteve também na presidência da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, em substituição ao seu primo Dom Aloísio Lorscheider. Exerceu o cargo de 1979 a 1987, num dos períodos mais turbulentos da história brasileira, em plena vigência da ditadura militar no país. Era chamado o “Profeta da Solidariedade.” Também recebeu a alcunha de “Cidadão do Mundo.” Naquela época já era taxado de esquerdista: “Se pergunto por que o pobre tem fome me chamam de Comunista”. Dom Ivo, presente!

Nesta segunda feira o grande imperativo que a liturgia nos suscita é uma fala dita por Jesus no Evangelho de Lucas que hoje refletimos: “Sede misericordiosos, como também o vosso Pai é misericordioso”. (Lc 6,36) Ser como o Pai. Um desafio e tanto: ser como Ele. Ser pleno de misericórdia como Ele. A etimologia da palavra “misericórdia” tem a sua origem latina, e é formada pela junção de “miserere” (ter compaixão), e “cordis” (coração). “Ter compaixão com o coração”, ou seja, ter a capacidade de sentir aquilo que a outra pessoa está sentindo, aproximando seus sentimentos dos sentimentos de alguém, ser solidário com as pessoas. Deixar se tocar pelas coordenadas do coração. Misericórdia!

A regra de vida na perspectiva de Jesus é a regra do amor, do perdão, da misericórdia, assim como Deus age em relação a todos nós. Na concepção de Jesus não devemos nos deixar levar pelas regras morais, ou o que é pior, pelo moralismo. A proposta trazida por Jesus revoluciona o campo das relações humanas, mostrando que, numa sociedade justa e fraterna, as relações devem ser gratuitas, à semelhança do amor misericordioso do Pai. Diferentemente daquilo que propõe uma sociedade que se estrutura em relacionamentos de interesses e reciprocidade, gerando lucro, ganância, poder e prestígio. As relações da nova sociedade proposta por Jesus não há espaço para julgamentos e condenações, mas de perdão e de entrega gratuita. Só Deus pode julgar. Só Ele tem poder para tanto: “Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados.” (Lc 6, 37);

Deus nos julga com a misericórdia e a amorosidade que lhe é peculiar. Ele nos julga com a mesma medida que usamos para julgar os outros. Com a mesma medida que analisamos os outros, seremos assim analisados por Deus. Por este motivo é que Jesus nos pede que sejamos como Deus. Ser como Ele na nossa forma de nos relacionarmos com as outras pessoas. É desta forma também que Jesus nos ensinou a rezar o “Pai Nosso” e, às vezes, nem percebemos direito: “Perdoai as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”. (Mt 6,12)

A vida cristã exige amorosidade e gratuidade nas nossas relações. Ser como Deus é ser preenchido por esta mesma amorosidade que n’Ele sobra. Um Deus que prima pela misericórdia e quer a todos salvar, indistintamente. Uma vida sem amor, sem perdão e sem misericórdia não pode ser a de uma pessoa que diz seguir os mesmos passos de Jesus. O amor infinito que o Filho traz em si espelha toda a amorosidade presente no Pai. É este mesmo amor que pulsa em nosso coração e, na nossa estupidez, não deixamos que ele crie raízes em nós, delineando as nossas relações nesta vida. Nossa responsabilidade é grande e exige crescimento na fé para conviver com esta verdade dita por Jesus: “com a mesma medida com que medirdes os outros, vós também sereis medidos”. (Lc 6, 38)


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.