Compadre Francisco…

Que me perdoe São Benedito, o santo do dia de hoje, mas ainda quero discorrer sobre o “Povorrelo de Assis”. Sou apaixonado por Francisco de Assis. Sempre tive uma admiração muito grande por este homem de Deus. Desde que passei a conhecer mais de perto a sua história de vida, fui dominado por um verdadeiro fascínio por ele. É verdade que o filme ítalo-britânico de 1972, “Irmão Sol, Irmã Lua”, teve um papel preponderante neste processo. Os atores que interpretaram os dois personagens, Clara e Francisco, foram fantásticos nas suas respectivas atuações. Um filme lindíssimo.

A primeira literatura que tive às mãos sobre Francisco de Assis foi, “Sabedoria Dum Pobre.” Uma publicação de 1977, pela Editora Franciscanas. Escrito por um dos melhores pensadores franciscanos de nosso tempo Elói Leclerc. Com certeza, esta publicação alimentou a espiritualidade de muitos cristãos de todas as gerações, mundo afora. Sem duvida, um clássico sobre o franciscanismo, particularmente sobre a ação libertadora deste homem, pelos caminhos por onde passou.

Posteriormente adquiri também outra publicação que me ajudou muito a compreender o universo cosmológico de Francisco. O também franciscano Leonardo Boff nos brindou com o seu, “São Francisco de Assis: ternura e vigor: Uma leitura a partir dos pobres.” Um texto escrito com muita leveza, encanto e riqueza de profundo conhecimento sobre a trajetória histórica deste homem medieval. O texto leva-nos a não somente a tomar conhecimento da vida de Francisco, mas nos coloca em meditação, fascinados pela entrega de uma vida nas mãos de Deus.

Francisco era o homem da ternura. Fraterno com ternura. Determinado que era, entregou-se com paixão no seguimento de Jesus de Nazaré. Voltou-se plenamente para as causas dos mais pobres e com eles convivendo ao longo de toda a sua vida. Revolucionou as estruturas da igreja da época, provocando mudanças significativas a partir do Evangelho que abraçou. Uma vida sóbria de um andarilho, em meio a riqueza esnobe de uma igreja opulenta e anti-evangélica.

Convivi muito de perto com outro franciscano, muito embora pertencesse a Congregação dos Missionários Filhos do Imaculado Coração de Maria (Claretianos). Evidente que estou falando de nosso eterno bispo Pedro, um admirador incondicional do pobre de Assis. Sendo quem era e vivendo radicalmente a pobreza, não foi difícil identificá-lo com Francisco. Ambos souberam fazer das suas vidas, um seguimento profético e abnegado da proposta de Jesus de Nazaré. Pedro não tinha dúvida quanto a sua opção eclesial, frente ao Reino. Mesmo assim fez questão de nos alertar: “Na dúvida, fique do lado dos pobres.”

Na sua forma carinhosa de lidar com as pessoas, Pedro chamou o pobre de Assis pelo singelo nome de Compadre Francisco. Era a forma íntima de vivenciar uma espiritualidade que o colocava muito próximo das coisas de Deus. A mãe de Jesus, por exemplo, era a “Comadre de Nazaré.” Coisas de Pedro. Coisas de quem fizera da vida uma doação, entremeada de ternura, mas na radicalidade de uma espiritualidade libertadora, revolucionando todos os espaços por onde seus pés pisavam.

Pedro, como Francisco, soube viver o seguimento de Jesus entregando sua vida aos mais pobres. Viveu intensamente esta opção, correndo riscos de morte, pela causa dos pequenos. Com a sensibilidade do poeta e revolucionário que era, expressou a sua admiração por Francisco num de seus poemas que até virou canção: “A sábia loucura do santo Evangelho tem poucos alunos que a levem a sério. Senhora Pobreza, perfeita alegria, andam mais nos livros que nas nossas vidas. Uma crítica contundente à Igreja que está longe de ser a digna representante dos anseios de Jesus, frente aos pequenos do Reino.

É compadre Francisco, nossa igreja precisa de mudanças profundas. Bem que o nosso papa Francisco tem insistido nestas mudanças. Entretanto, poucos são aqueles que vêem a necessidade destas mudanças. Há aqueles que se sentem confortáveis em suas vidas acomodadas, sem querer deixar a sua zona de conforto. Preferem se afastar do evangelho a fazer a opção pelas mudanças urgentes e necessárias. Uma igreja adoecida, apegada mais as vestes, ao conforto e a estética do que a essência de uma vida do serviço aos pequenos. Em sintonia com Francisco, Pedro manifesta assim a sua preocupação com esta igreja: “Nossa Madre Igreja melhorou de modo, mas tem muita cúria e carisma pouco. Frades e conventos criaram vergonha, mas é mais no jeito que por via nova.

ORAÇÃO À SÃO FRANCISCO EM FORMA DE DESABAFO (D. Pedro Casaldáliga / Cirineu Kuhn)