Conhecer o Deus verdadeiro

Terça feira da Sétima Semana do Tempo Pascal. Jesus está vivo no meio de nós anunciando e fazendo acontecer a Boa Nova do Reino, através do Espírito Santo agindo e transformando em nós. Somos suas testemunhas e caminhamos com Ele na medida em que fazemos a nossa adesão ao Projeto do Reino. Pelo batismo, cada um e cada uma é peça chave nesta “martiria”. Palavra que se bem entendida quer dizer o ato de testemunhar corajosamente. Ato reservado à todos os batizados. Testemunho do cuidado para com as pessoas que estão perto e que mais necessitam de afeto, carinho, solidariedade, ajuda.

A missão da comunidade é dar prosseguimento à prática de Jesus em favor dos marginalizados pela religião oficial da época dele: os doentes, os leprosos, os possessos. As pessoas enviadas em missão devem anunciar o Reino de uma maneira simples e despojada, sem muitos artifícios de retórica ou de intelectualidade, muito menos em busca de resultados imediatos. Deus tem sua própria lógica. se chama martiria. O que Jesus nos pede neste domingo é coerência com o Espírito recebido em Pentecostes.

Missão testemunhal de dar prosseguimento à prática de Jesus em favor dos marginalizados Rezei nesta perspectiva e também agradecendo a Deus pelos amigos e amigas que me felicitaram por ocasião dos 6.6, em mais um registro histórico nesta minha caminhada. Enquanto as pessoas sentadas esperavam pelo embarque demorado, viajei nos meus pensamentos, buscando o meu encontro pessoal com Deus. Ele, em sua generosidade própria, me concedeu a dádiva dos melhores amigos e amigas. Uma coleção deles e delas, cada um mais especial que o outro. Guardo-os carinhosamente nos recantos de meu coração. Eu não seria quem sou sem eles testemunhando e caminhando juntos comigo.

Ao contrário de nosso Pedro, com a sua Olivet, datilografando os seus textos, a tela do celular me ajudou nesta tarefa. No meu espírito orante, fiz os meus registros diários, enquanto aguardava o embarque no ônibus que nos levaria à São Félix do Araguaia. Somente ele, resistentemente, pode trafegar pelos 190 km que ainda temos de estrada de chão sem asfalto. A madrugada rompendo a escuridão da noite, as pessoas driblando o sono e eu, dialogando com o meu Deus, projetando o meu olhar para além do meu campo visual. Viajei sem sair do lugar.

Orar não é somente falar, recitar, pedir. Hoje o meu desafio foi maior, numa tentativa de fazer sintonia com Jesus, que na liturgia deste dia nos traz um dos mais belos textos do Evangelho de São João (Jo 17,1-11a). O Capitulo 17 deste evangelho fecha o “Discurso de Despedida de Jesus”. Ele conversando com o Pai numa intimidade profunda: “Pai, chegou a hora. Glorifica o teu Filho, para que o teu Filho te glorifique a ti”. (Jo 17,1) Somente alguém com tamanha sintonia é capaz de ser assim tão direto. Intimidade cúmplice pelo “Bem Viver”.

A temática central que o texto de hoje nos traz é o conhecimento que devemos ter de Deus. Conhecer o Deus Verdadeiro. Nisto consiste a vida eterna, palavras de Jesus. Entrar em sintonia com este Deus Verdadeiro, conhecê-lo na sua intimidade e comprometer com o seu projeto de amor. Parece fácil, mas requer mais do que boas intenções e profissões de fé de retos intentos devocionais. Verdade absoluta do Absoluto que é Deus. Um Deus verdadeiro que se deixa e permite encontrar-se nos pequenos. Quando buscamos esta Verdade que é Deus, nada tem o poder de nos afastar d’Ele. Como diria o filósofo grego Aristóteles (384 a.C. -322 a.C): “Nenhum obstáculo é grande demais quando confiamos em Deus”.

Em recente pesquisa realizada pelo Instituto Ipsos, uma das empresas de pesquisa e de inteligência de mercado do mundo mais conceituadas, constatou que “aproximadamente nove em cada dez brasileiros, cerca de 89%, dizem acreditar em Deus”. Somos um país em que as pessoas dizem acreditar em Deus. Só nos resta saber que Deus é este, uma vez que convivemos com uma das maiores contradições de desigualdades sociais do mundo, sem que estes mesmos crentes se manifestem contra esta injustiça. “Acreditam em Deus”, pensam e fazem exatamente o contrário que o Deus Verdadeiro de Jesus quer que façamos.

O Deus Verdadeiro é o Deus de Jesus de Nazaré. Um Deus que se posiciona a favor dos pequenos, pobres, marginalizados e contra toda forma de injustiça. Um Deus que não é conivente com as estruturas de morte de uma sociedade orquestrada pela ganância, o acúmulo e a exploração dos pequenos. O Deus verdadeiro é aquele das Bem Aventuranças que a Mãe de Jesus tão bem definiu no seu Magnificat: Derruba do trono os poderosos e eleva os humildes; sacia de bens aos famintos e despede os ricos de mãos vazias”. (Lc 1,52-53) Um projeto revolucionário de fé e vida de palavras saídas de Maria da Libertação. O Deus verdadeiro é o Deus dos pobres, junto com o “Servo Sofredor”, do profeta Isaías, encarnado por Jesus.


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.