Reflexão:
Liturgia do XXII Domingo do Tempo Comum,
29/08/2021
Liturgia do XXII Domingo do Tempo Comum,
29/08/2021
Na Liturgia deste Domingo, XXII do Tempo Comum, veremos, na 1a Leitura (Dt 4,1-2. 6-8), que, ao final da vida, antes de entrar na Terra Prometida, Moisés deixa um testamento espiritual: A Lei, os Mandamentos propostos por Deus. A Lei de Deus é um meio de viver a Aliança com Ele e, assim, chegar à Terra Prometida; é um caminho seguro para a felicidade, não um fim. São regras para aproximar as pessoas e estar a serviço da vida; portanto, observá-las não será um peso, mas um gosto, uma gratidão a Deus. Moisés recomenda ao povo que acolha a Lei e se deixe guiar por ela, mas que esteja aberto aos sinais dos tempos, não se apegando a ‘coisinhas e mesmices’. Para ele, e também para Jesus, a verdadeira experiência de Deus não se resume no cumprimento formal das leis, mas num processo de conversão que leve a pessoa à comunhão com Deus e a viver numa real partilha de amor com os irmãos. Uma exagerada fidelidade à tradição pode abafar a fidelidade ao Espírito e impedir uma inovação na qual Deus possa agir de outras maneiras, falar ao coração de outras formas.
O Papa Francisco, na Evangelii Gaudium (A Alegria do Evangelho), diz que, constantemente, devemos rever costumes e conceitos do passado: “Podem até ser belos, mas agora não prestam o mesmo serviço à transmissão do Evangelho. Não tenhamos medo de revê-los! Da mesma forma, há normas ou preceitos eclesiais que podem ter sido muito eficazes noutras épocas, mas já não têm a mesma força educativa como canais de vida…. O perigo auto referencial é se sentir superior aos outros por cumprir determinadas normas ou por ser irredutivelmente fiel a um certo estilo católico próprio do passado. É uma suposta segurança doutrinal ou disciplinar que dá lugar a um elitismo narcisista e autoritário, onde, em vez de evangelizar, se analisam e classificam os demais e, em vez de facilitar o acesso à graça, consomem-se as energias a controlar (EG, 43 e 94).
O Salmo (14/15) e a 2ª Leitura (Tg 1,17-18. 21-22. 27) nos falam da coerência entre a fé e a vida, da prática da justiça, da solidariedade, enfim nos pedem para sermos cumpridores da Palavra e não apenas ouvintes. Dizem ainda que a verdadeira religião não consiste apenas no cumprimento de ritos e na fidelidade a certas práticas de piedade, mas na dedicação em favor dos mais fragilizados de nossa sociedade: “A religião pura e sem mácula aos olhos de Deus e nosso Pai é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas aflições, e conservar-se puro da corrupção deste mundo”.
No Evangelho (Mc 7,1-8.14-15.21-23), vemos a atitude de Jesus diante da Lei. Os grupos religiosos (principalmente os Fariseus) eram os ‘fiscais’ das virtudes e vícios alheios, eram profundamente exigentes na observância externa das leis e se escandalizavam porque os apóstolos não faziam, antes de comer, os ritos de purificação, prescritos por preceitos humanos.
Jesus comunica que a relação com Deus não é só uma série de ritos prontos e determinados, mas uma base sólida de fé interior, opção pela boa vivência, respeito ao ser humano, mais que regras formais, gestos e ritos externos. Jesus não aprova esse espírito mesquinho só de aparência e chama esses grupos de hipócritas, pois deixam o mandamento de Deus e se apegam a coisas secundárias. Para Jesus, não basta apenas a observância externa da Lei e das tradições humanas, mas, antes de tudo, uma autêntica conversão do coração. Deus olha o interior das pessoas e não as práticas exteriores e formais.
O que contamina o homem? Jesus ensina a “ecologia do coração”
“Escutai, todos e compreendei: o que torna impuro o homem não é o que entra nele vindo de fora, mas o que sai do seu interior. Pois é de dentro do coração humano que saem as más intenções, imoralidades, roubos, assassínios, adultérios, ambições desmedidas, maldades, fraudes, devassidão, inveja, calúnia, orgulhos, falta de juízo. Todas estas coisas más saem de dentro e são elas que tornam impuro o homem”.
Penso que a liturgia deste domingo quer nos comunicar um ensinamento de ordem não só individual, mas também social e coletivo, como bem disse o pregador do Papa, o Pe. Raniero Cantalamessa: “A distorção que Jesus denunciava de dar mais importância à limpeza exterior que à pureza do coração se reproduz hoje em escala mundial. Há muitíssima preocupação pela contaminação exterior e física da atmosfera, da água, pelo buraco de ozônio; e, pelo contrário, silêncio quase absoluto sobre a contaminação interior e moral. Nós nos indignamos ao ver imagens de pássaros marinhos que saem de águas contaminadas por manchas de petróleo, cobertos de óleo, incapazes de voar, mas não fazemos o mesmo por nossas crianças, precocemente viciadas e apagadas por causa do manto de malícia que já se estende sobre cada aspecto da vida.
Que fique bem claro: não se trata de opor entre si os dois tipos de contaminação. A luta contra a contaminação física e o cuidado da higiene é um sinal de progresso e de civilização ao que não se pode renunciar a nenhum preço. Jesus não disse, naquela ocasião, que não era preciso lavar as mãos ou os utensílios e tudo o demais; disse que isso, por si só, não basta; não vai à raiz do mal.
Jesus lança então o programa de uma ecologia do coração. Tomemos alguma das coisas ‘contaminadoras’ enumeradas por Jesus, a calúnia com o vício a ela emparentado de dizer maldades à custa do próximo. Queremos fazer de verdade um trabalho de saneamento do coração? Empreendamos uma luta sem tréguas contra nosso costume de fofocar, de fazer críticas, de participar em murmurações contra pessoas ausentes, de lançar juízos rapidamente. Isto é um veneno dificílimo de neutralizar, uma vez difundido” (Pregador do Papa: Jesus ensina “a ecologia do coração”, 01/09/06, zenit.org).
Boa reflexão e que possamos produzir muitos frutos para o Reino de Deus.
Padre Leomar Antonio Montagna é presbítero da Arquidiocese de Maringá, Paraná. Doutorando em Teologia e mestrado em Filosofia, ambos pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR – Câmpus de Curitiba. Foi professor de Teologia na Faculdade Missioneira do Paraná – FAMIPAR – Cascavel, atualmente é professor do Curso de Filosofia da PUCPR – Câmpus Maringá.