Os tempos são os mesmos. Seguimos na nossa pandemia e já nem nos chama mais a atenção os números de mortes entre nós. Naturalizamos o morticínio, como coisa normal. Já estamos chegando a 70 mil mortos, e nada disso nos impacta mais. A estimativa é de que o Brasil tem um número quatro vezes maior, que este de mortos, dada as subnotificações e o baixo índice de testes para a Covid-19.
Não estamos vivendo apenas uma CRISE SANITÁRIA por causa de uma pandemia. Além desta, temos ainda, uma CRISE ECONÔMICA, uma CRISE INSTITUCIONAL e também uma CRISE MORAL. Esta última, a mais deprimente de todas, pois nossos governantes fazem questão de figurar, no cenário mundial, como os piores gestores, quanto ao enfrentamento desta pandemia. É o único pais do mundo que mudou o ministro da saúde por três vezes e o atual, não é da área da saúde, como se esperaria.
A quem apegar diante deste contexto? O vírus segue atacando as periferias e as cidades pequenas do país. Os indígenas seguem contabilizando seus mortos, sem que nada de mais concreto seja feito, como um hospital de campanha, por exemplo, que pudesse acolhê-los. Ficam nas aldeias esperando que abram vagas de leitos e UTIs. A morte chega e os leva. Agora são os INY (Karajá) que foram contaminados. O vírus ‘atravessou o Araguaia’ e chegou às suas aldeias. O que todos temíamos, virou realidade. Justamente num momento que o insensível, resolveu vetar parte do plano emergencial (lei 14.021), para o atendimento de indígenas e quilombolas.
No evangelho desta sexta feira, segundo a narrativa de Mateus, Jesus nos adverte: CUIDADO COM OS HOMENS. Antes, ele já havia dito que estava enviando os seus, como OVELHAS no meio de LOBOS. Um texto bastante apropriado para os dias de hoje. Ser seguidor de Jesus é encarnar em si este grande desafio de lidar com “COBRAS CRIADAS”, como se diz lá na minha terra natal. Engana-se quem pensa, que a vida do seguidor de Jesus será de sombra e água fresca. Pelo contrário, somos desafiados a avançar para águas mais profundas. Estar pronto para atuar no centro dos conflitos. Ser uma pedra de tropeço para aqueles que se especializam em arquitetar o mal dos filhos de Deus. Abraçar a causa dos pequenos é a nossa maior bandeira, se quisermos ser fieis no seguimento do “prisioneiro político”.
Todavia, o nosso maior consolo é saber que não estamos sozinhos neste barco. Conosco vão também, todos os mártires da caminhada, que deram o seu sangue, sua vida, a exemplo da TESTEMUNHA FIEL. Somos também chamados a sermos testemunhas desta causa, e o próprio Jesus nos alerta de que “Vocês vão ser levados diante de governadores e reis, por minha causa, a fim de serem testemunhas para eles e para as nações.” (Mt 10, 18)
Por falar em mártires de ontem, devemos olhar para os profissionais da saúde como os mártires atuais. Pais e mães de família que estão na linha de frente e, às vezes se contaminando na tentativa de salvar vidas. Muitos deles perderam suas vidas. Muitos deixaram famílias, filhos, diante desta nobre missão de enfrentar um vírus letal invisível, correndo o risco de também se contaminarem. Também aqui entre nós, na saúde indígena, já temos vários profissionais que já foram infectados. Na área Xavante, este número é ainda maior. Lembrando que, tanto os padres salesianos, quanto as irmãs, que atuam com o povo Xavante, tiveram que sair da área, testados positivamente para a Covid-19. Semana passada, uma destas irmãs veio a óbito.
O texto do evangelho ainda diz que: “Vocês serão odiados de todos, por causa do meu nome. Mas, aquele que perseverar até o fim, esse será salvo.”.(Mt 10, 22). Não podemos arredar o pé e nem negar fogo. Quem entra na chuva é para se molhar. Falar a verdade sempre e mostrar aquilo que está errado quanto a construção do Reino entre nós. Se omitir na nossa missão, significa que estamos negando a nossa vocação de seguidores dele. Gritar a plenos pulmões de que tantas mortes de irmãos nossos fere a dignidade do próprio Deus presente em Jesus. Que tenhamos em nós a força desta oração: “Derramai também em nós o vosso Espírito. De união, de fortaleza e de alegria, Para que demos totalmente nossas vidas, pela causa do vosso Reino. Por esses muitos irmãos e irmãs, Testemunhas pascais…” (Dom Pedro Casaldáliga)