Da dor ao amor

Sexta feira da Vigésima Terceira Semana do Tempo Comum. A quinzena de setembro fecha sextando. Neste mês, a Bíblia sendo aberta, lida, estudada e refletida como fonte para a nossa caminhada. Em setembro, a Igreja nos convida a conhecer mais a fundo Bíblia. Já é uma tradição. Este mês foi escolhido pelos Bispos do Brasil como o Mês da Bíblia em razão da festa de São Jerônimo, que celebramos no dia 30 próximo. Celebrar este mês, tendo a Bíblia como fonte inspiradora, amando-a e fazendo dela uma leitura meditativa e rezada. Desconhecer a Escritura é desconhecer Jesus Cristo e renunciar a anunciá-lo. Que a sua Bíblia não seja uma peça decorativa, empoeirada numa instante.

A Bíblia é a Palavra de Deus. Um verdadeiro manual da vida cristã, com os ensinamentos fundamentais, direcionados por Deus sobre a fé, destinados a todos os seus filhos e filhas. Seguir estas orientações é viver de acordo com a sua vontade. Nela está contido tudo aquilo que Deus quis nos revelar e comunicar em relação à história da salvação. Jesus é o centro e o coração da Sagrada Escritura. N’Ele se cumprem todas as promessas feitas pelo Deus Criador, no Antigo Testamento, para o povo de Deus. Ele é a Palavra viva de Deus, culminando no mistério de sua Paixão, Morte e Ressurreição como plano de Deus Pai amoroso para a salvação da humanidade.

Rezei nesta manhã no silêncio harmonioso de meu quintal. Poucos seres da mãe natureza se fazendo presentes como testemunhas deste meu momento dialogal com Deus. No peito, um coração ardendo em chamas de dor pela partida de uma grande amiga, tendo a sua páscoa do encontro definitivo com Deus no dia de ontem. Uma linda mulher, em todos os sentidos. Mãe, esposa, que nos deixa na flor da jovialidade, encantando agora com o seu jeito de ser, a morada do Pai. Professora Arlete (Tia Arlete), deixou de sofrer com o maldito câncer, experimentando agora a glória eterna. Os mistérios de Deus são insondáveis e nos deixam com mais perguntas do que respostas. Restou-me a consolação fundamentada naquilo que nos disse Jesus: “Não se perturbe o coração de vocês. Creiam em Deus; creiam também em mim. (Jo 14,1)

A dor deixada pela mãe que parte. A dor da Mãe que refletimos neste dia 15 de setembro. Nossa Senhora das Dores. As dores de Maria, perpassando todo o seu histórico de vida, como nos relatam os Evangelhos: A profecia de Simeão sobre Jesus (Lc 2, 34-35); A perseguição de Herodes e a fuga da Família para o Egito (Mt 2, 13-21); A perda do Menino Jesus no Templo de Jerusalém (Lc 2, 41-51); O encontro de Maria com Seu Filho Jesus carregando a Cruz, no caminho para o Calvário (Lc 2, 41-51); Maria observando o sofrimento e a morte de Jesus na cruz (Jo 19, 25-27); Maria recebe em seus braços o corpo do seu filho morto tirado da cruz. (Mt 27, 55-61); Maria observa quando depositaram o corpo de Jesus no sepulcro (Lc 23, 55-56). Uma escalada de dor que somente o mistério do amor é capaz de explicar.

Muita dor para o coração de uma pobre Mãe. Dor dos pobres inclusos no coração daquela Mãe. Bem que o velho Simeão profetizou: “Quanto a ti, uma espada te transpassará a alma”. (Lc 2,35) Maria, representando todos os pobres com as suas dores e angústias, na espera da libertação. Quem mandou ser a mulher escolhida por Deus para ser a Mãe daquele que seria sinal de contradição?; isto é, julgamento para os ricos e poderosos, e libertação para os pobres e oprimidos, como Lucas assim descreveu nas Bem-Aventuranças (Lc 6,20-26).

Nossa Senhora das Dores, mais um dos títulos reservados à Maria, a companheira de todas as horas na vida do Filho e nossa. Gestou em seu ventre o Salvador da humanidade. Coautora do Projeto Libertador de Deus. A salvação de Deus vindo da periferia do submundo dos pobres. Família simples de um casal de trabalhadores oprimidos. Acolheu, gestou e criou aquele que viria revolucionar a história humana, sendo a base estruturante de Jesus de Nazaré. De onde nada se podia esperar: “De Nazaré pode sair coisa boa?” (Jo 1,46) Ô se pode! Vinde e vede!

Maria sofrendo em seu coração a dor de ver o seu Filho morrendo na cruz. Quanta dor no coração daquela Mãe. “As mesmas chagas que estavam espalhadas pelo corpo de Jesus, se achavam todas reunidas no coração de Maria”, descreve-nos o italiano São Boaventura (1221-1274). Nos seus instantes finais na morte de cruz, Jesus ainda vê a sua Mãe, algumas mulheres guerreiras que o acompanhava, e o discípulo anônimo, chamado apenas de “aquele que Jesus amava”. Do mistério da dor renasce a força do amor. O mistério do amor que se sente em dor, como a nossa Clarice Lispector assim o decifrou: “O amor inexplicável faz o coração bater mais depressa. A garantia única é que eu nasci. Tu és uma forma de ser eu, e eu uma forma de te ser, eis os limites de minha possibilidade”. A dor que nos ensina a viver, como também aprendi de Santo Afonso Maria de Ligório (1696-1787), nos meus tempos de seminário: “Aprendamos com Jesus e Maria a abraçar as cruzes, porque sem elas não podemos viver neste mundo”.


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.