Sábado depois da quarta feira de cinzas. Estamos no passo a passo da quaresma. Tempo litúrgico que a igreja reserva como momento especial para nos prepararmos para celebrar a Páscoa com Ele. Cada um de nós, somos chamados à um processo de retrospectiva e analisar o nosso caminhar no seguimento de Jesus, adequando a nossa prática a nossa concepção de fé. Converter é a nossa meta principal neste período.
Uma quaresma prá lá de desafiadora. A realidade que ora vivemos é desastrosa. Nem bem saímos dos percalços de uma trágica pandemia e estamos a mercê de uma guerra de consequências imprevisíveis e catastróficas para toda a humanidade. Em meio a tudo isso, não fomos capazes de superarmos ainda a guerra da fome, do desemprego, das pessoas em situação de rua, da violência, da educação de qualidade, do ódio, da indiferença, do desamor.
Ainda estou longe de casa e do meu Araguaia, dando sequência aos exames e consultas médicas. Definitivamente, não sou um homem do meio urbano, pronto a viver num grande centro como Goiânia. Sou um ser acostumado às pequenas coisas da vida, que já se habituou a ser e estar em meio aos povos indígenas. Tendo a tristeza como companhia e, enquanto meu retorno não vêm, sigo daqui rabiscando no celular, driblando o inconveniente corretor.
Rezando em meio ao corre corre frenético da cidade, vou decifrando meu viver com Ele. Enquanto isso, neste sábado quaresmal, a liturgia do dia nos faz refletir sobre o Projeto Messiânico de Jesus, sobretudo naquilo que vem a ser a identificação do Galileu com os mais simples, mais humildes, desprezados e marginalizados. No caso de hoje, Jesus está se relacionando diretamente com um cobrador de impostos. Gente má vista no seu tempo, desprezados e marginalizados, pois eles estavam a serviço do Império Romano, cobrando altas taxas de impostos, aproveitando-se da ocasião para também roubar.
Jesus convida um destes cobradores de impostos (Levi) para fazer parte de seu discipulado. Convite feito, convite aceito. Tal atitude do Mestre, despertou ainda mais a ira dos fariseus e mestres da Lei pois, além de chamar aquele personagem, ainda foi às suas casas e sentou com elas à mesa para as refeições. Inadmissível para aqueles zelosos cumpridores da Lei, que aquele que dizia ter vindo de Deus, andasse com pecadores “mal afamados”.
Levi deixou tudo para seguir Jesus. Um homem de muita coragem e determinação. Rompe com todas as estruturas, para se colocar lado a lado com Jesus. Deixar tudo também é o desafio que nos é posto como cristãos seguidores de Jesus. Deixar ser preenchido pela proposta de d’Ele, que a faz a cada um de nós. Deixar que os valores do Reino adentrem o nosso interior, para que a marca registrada de Jesus, seja o codinome de toda a nossa ação neste mundo. Fazer parte do discipulado de Jesus é deixar que Ele seja o protagonista de todas as nossas ações, onde quer que estejamos.
Deixar tudo significa assumir tudo que nos leva à dimensão maior dos anseios de Deus para conosco. Deixar que o meu eu seja doação de mim mesmo pelas mesmas causas de Jesus. Não significa deixar a família, mas fazer com que na experiência de família, vivamos a dimensão maior deste amor de Deus. Somos pecadores sim e, por este motivo, Deus tem muito o que realizar em nós. É o fato de sermos pecadores que aproxima Jesus de cada um de nós. Como Ele mesmo fez questão de dizer aos fariseus: “Os que são sadios não precisam de médico, mas sim os que estão doentes”. (Lc 5, 31). Quanto mais pecadores nos sentirmos, mais próximos de Deus estamos, como nos assegurou Paulo: “Onde abundou o pecado, superabundou a graça”. (Rom 5, 20) Que saibamos deixar tudo de nós mesmos para abraçar o Projeto de vida nova que nos foi trazido pelo Jovem Galileu.
Quem deixa tudo, deixa inundar em si mesmo o amor incondicional pelo outro sem julgamento de valor.
Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.