Descolonizar e desevangelizar é preciso

Sexta feira da Nona Semana do Tempo Comum. Dia de festa para a Comunidade Jesuíta. Neste dia a Igreja celebra a festa de São José de Anchieta (1534-1597). Espanhol de nascimento, Anchieta recebeu o titulo de Apóstolo do Brasil. Um intelectual brilhante aprendeu a língua Tupi, como forma de entrar em sintonia com a realidade dos “Índios”, termo genérico adotado pelo colonizador referindo-se a todos os habitantes destas terras, como se fossem um só povo. Certamente, o fato de aprender o Tupi, não o ajudou muito, sobretudo porque naquele contexto histórico existiam centenas de etnias, cada qual falando a sua própria língua, completamente distintas umas das outras, como hoje ainda.

Anchieta, um homem de seu tempo histórico, o século XVI. Naquele momento histórico o pensamento da Igreja era o enfrentamento da Reforma Protestante, com a Contra-Reforma. Os missionários que embarcaram com a Corte Portuguesa tinham como meta de sua evangelização “salvar almas”. Naturalmente que esta prática foi aplicada perante o estranhamento dos habitantes que deram de frente com aqueles homens vindos de além mar. Desnudos como era prática comum entre eles, perceberam que eram seres “desprovidos de almas”, por andarem com a sua “vergonha” de fora.

No intuito de explicar as “verdades da fé”, todos os rituais culturais foram demonizados e ligados aos espíritos malignos. Aqueles “maus hábitos”, ligados ao cântico, à dança e a bebida, de corpos nus, foram severamente condenados pela ação missionária, que encontrou logo um jeito para evangelizá-los; o primeiro passo foi vesti-los e dar-lhes “dignidade” de filhos de Deus, batizando-os, para que assim pudessem adquirir cada um a sua “alma”. Uma prática que talvez encontrasse explicação ali no século XVI, mas com um olhar do século XXI, precisaríamos passar por um processo de “descolonização” e “desevangelização”.

Anchieta foi um homem de seu tempo. Com a inteligência rara que possuía, certamente veria com outros olhos, se vivesse conosco hoje e olhasse para trás e percebesse os descaminhos percorridos pela Igreja Católica, sobretudo na Idade Média, condenando e queimando em praça pública mulheres acusadas de bruxaria. Sem nos esquecermos que as práticas rituais dos “Índios” também foram classificadas como bruxaria e muitos atos de evangelização foram acompanhados de repressão pela força do chicote e dos castigos, infringidos aos indígenas e aos negros. José de Anchieta foi beatificado, no dia 22 de junho de 1980, pelo então Papa João Paulo II; e, no dia 3 de abril de 2014, foi canonizado através de um decreto assinado pelo Papa Francisco.

Ainda bem que o projeto de Reino que Jesus nos revelou passa por outros caminhos: caminhos de libertação/salvação e não de dominação e opressão. Evangelizar é fazer-se servidor de todos, levando adiante as mesmas causas defendidas por Jesus: “Eu tive fome, e me destes de comer; tive sede, e me destes de beber; era forasteiro, e me hospedastes; estava nu, e me vestistes; enfermo, e me visitastes; preso, e fostes ver-me”. (Mt 25, 35-36) Seguir os passos do Rei-Messias significa reconhecimento e compromisso com a pessoa concreta de Jesus, o enviado de Deus.

Mesmo sendo aquele que foi enviado diretamente de Deus, mais uma vez vemos Jesus não sendo compreendido pelas autoridades judaicas, que buscam, de toda forma, um jeito para contradizê-lo e assim decretar a sua morte. É desta forma que Jesus nos é apresentado hoje pela liturgia do dia. Marcos nos apresenta um dos ensinamentos de Jesus feito no Templo, onde ele fala de sua descendência: Filho de Davi ou Filho de Deus? Quando os textos do Novo Testamento se referem a Jesus como o Filho de Davi, este título queria indicar a linhagem, a origem e o projeto do Messias. Ou seja, na compreensão da época, o descendente iria refazer a família real e a glória do reino de Davi. Todavia, Jesus critica essa concepção do Messias, uma vez que Ele está acima de Davi e não veio de forma alguma instaurar uma monarquia. O texto de Marcos termina dizendo que as multidões estavam admiradas com os ensinamentos de Jesus. Que também saibamos admirá-lo para que as palavras ditas por São João possam ressoar em nós: “Quem me ama, realmente, guardará minha palavra e meu Pai o amará, e a ele nós viremos”. (Jo 14,23)

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.