Reflexão:
Liturgia do XXVI Domingo do Tempo Comum
26/09/21
Liturgia do XXVI Domingo do Tempo Comum
26/09/21
Na Liturgia deste Domingo, XXVI do Tempo Comum, veremos, na 1a Leitura (Nm 11, 25-29), que a Palavra de Deus não é monopólio de ninguém, que os dons de Deus não podem ser privatizados ou restritos a determinadas pessoas ou instituições e que não podemos reter o que Deus concedeu para a vida de todos. A Palavra foca sobre o papel do líder e afirma que o perigo é liderar sozinho, não dar vez a ninguém, isto pode gerar cansaço, dificuldades e queixas: “Sozinho não posso mais carregar esse povo”. Liderança partilhada é decidir juntos o que é melhor para todo o povo. Alguém já dizia: “É melhor errar com a Comunidade do que querer acertar sozinho”. Fica claro que a vontade de Deus, expressa nas palavras de Moisés, é que todo povo participe das decisões que visam ao bem comum. Participação popular é fundamental no discernimento e na busca de condições melhores para os que mais precisam. “Oxalá todos recebessem o Espírito e profetizassem!”
O Papa Francisco, na Evangelii Gaudium (A Alegria do Evangelho), nos fala que não podemos ter ciúmes e disputas em nossas comunidades: “Dentro do povo de Deus e nas diferentes comunidades, quantas guerras! No bairro, no local de trabalho, quantas guerras por invejas e ciúmes, mesmo entre cristãos! O mundanismo espiritual leva alguns cristãos a estar em guerra com outros cristãos que se interpõem na sua busca pelo poder, prestígio, prazer ou segurança econômica. Além disso, alguns deixam de viver uma adesão cordial à Igreja por alimentar um espírito de contenda. Mais do que pertencer à Igreja inteira, com a sua rica diversidade, pertencem a este ou àquele grupo que se sente diferente ou especial. Por isso me dói muito comprovar como nalgumas comunidades cristãs, e mesmo entre pessoas consagradas, se dá espaço a várias formas de ódio, divisão, calúnia, difamação, vingança, ciúme, a desejos de impor as próprias ideias a todo o custo, e até perseguições que parecem uma implacável caça às bruxas. Quem queremos evangelizar com estes comportamentos? Mas, se virem o testemunho de comunidades autenticamente fraternas e reconciliadas, isso é sempre uma luz que atrai” (EG, 98 e 100).
Na 2ª Leitura (Tg 5, 1-6), Tiago denuncia o acúmulo de riquezas de alguns, a custo da miséria de muitos. Ele nos diz que Deus não deixará de ouvir o grito das pessoas injustiçadas e pedirá contas a quem retém os recursos que ele destinou a todos. A privatização da riqueza nas mãos de poucos denuncia o sistema social injusto em que vivemos. Para ele, a perda de sensibilidade é a causa de toda a miséria humana.
São Jerônimo, que traduziu a bíblia para o latim e foi um grande escritor da Igreja primitiva, falando sobre a riqueza excessiva, assim se expressou: “Todas as grandes riquezas são filhas ou netas da iniquidade ou injustiça, por que um não pode achar o que o outro não tem perdido”. Ele conclui dizendo: “Ou o rico é injusto ou do injusto é herdeiro”.
O Papa Francisco, em Lampedusa, na homilia da missa pelas vítimas dos naufrágios em 08/07/2013, também fazia o seguinte alerta: “Hoje ninguém no mundo se sente responsável por isso; perdemos o sentido da responsabilidade fraterna; caímos na atitude hipócrita do sacerdote e do levita de que falava Jesus na parábola do Bom Samaritano: ao vermos o irmão quase morto na beira da estrada, talvez pensemos ‘coitado’ e prosseguimos o nosso caminho, não é dever nosso; e isto basta para nos tranquilizarmos, para sentirmos a consciência em ordem. A cultura do bem-estar, que nos leva a pensar em nós mesmos, torna-nos insensíveis aos gritos dos outros, faz-nos viver como se fôssemos bolas de sabão: estas são bonitas, mas não são nada, são pura ilusão do fútil, do provisório. Esta cultura do bem-estar leva à indiferença a respeito dos outros; antes, leva à globalização da indiferença. Neste mundo da globalização, caímos na globalização da indiferença. Habituamo-nos ao sofrimento do outro, não nos diz respeito, não nos interessa, não é responsabilidade nossa!” (Zenit. Org).
No Evangelho (Mc 9, 38-48), vemos que Jesus não nos pede licença para se comunicar, diferente de nós, frente às realidades complexas. Não temos o monopólio de Deus. Jesus reprova a intolerância, o exclusivismo e prega a solidariedade, a hospitalidade e a unidade no que é essencial: amor aos pobres. Ele nos diz que o escândalo é acumular à custa da miséria, fechar-se, não servir. Uma Igreja que se fecha em si, que não se deixa interpelar pelos problemas e sofrimentos dos menores, é uma Igreja que trai a missão de Jesus. Jesus prega a radicalidade do Reino com símbolos fortes, que não se pode levar ao pé da letra: cortar a mão, isto é, o mau agir; cortar o pé, isto é, corrigir a direção errada; arrancar o olho, isto é, o modo de ver as coisas com cobiça, ciúme, inveja, ambição etc.
Concluindo, penso que a liturgia quer nos dizer que o Evangelho de Jesus tem uma dimensão social tão profunda que, deixá-la de lado ou negá-la, significa desfigurar completamente o anúncio e a prática de Jesus Cristo, o Filho de Deus, razão de nossa fé. Fazer uma opção de fé cristã, sem assumir um compromisso social na linha da busca da justiça, da solidariedade, da supressão das situações de miséria, da justa distribuição dos bens, da defesa da vida, da opção pelos pobres, da organização dos trabalhadores em defesa dos seus direitos fundamentais, é uma opção de fé incompleta, capenga, insuficiente. Fazer uma opção de fé e colocar-se contra esse compromisso é uma opção de fé falsa. É uma idolatria. A opção de compromisso social é uma graça de Deus, se não a tivermos, mas, ao menos, não criticarmos os que a possuem, já é um grande avanço. Combater ou depreciar os que caminham por essa direção é combater e depreciar o próprio Deus que vê, ouve e desce para libertar todos os que sofrem as consequências desse mundo injusto e desigual. O que mais machuca são as críticas que vêm de dentro, dos próprios irmãos e irmãs, dos próprios cristãos.
Oxalá ninguém precise apresentar, um dia, diante do Tribunal de Deus, a desculpa que não sabia que era necessário se comprometer e transformar as realidades temporais. Enquanto é tempo, escutemos o clamor dos pobres e dos que sofrem, pois, caso contrário, “mesmo que um morto ressuscite, não ficaremos convencidos” (Lc 16, 19-31).
Boa reflexão e que possamos produzir muitos frutos para o Reino de Deus.
Padre Leomar Antonio Montagna é presbítero da Arquidiocese de Maringá, Paraná. Doutorando em Teologia e mestrado em Filosofia, ambos pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR – Câmpus de Curitiba. Foi professor de Teologia na Faculdade Missioneira do Paraná – FAMIPAR – Cascavel, atualmente é professor do Curso de Filosofia da PUCPR – Câmpus Maringá.