O final de semana se foi e estamos iniciando mais uma etapa de nossas vidas. Estamos dentro da Semana Santa. A segunda que passamos em meio a uma pandemia. Agora num contexto mais complicado, pois o vírus segue circulando de maneira muito agressiva, com várias pessoas infectadas. É preciso ter criatividade para vivenciarmos a nossa fé num contexto que não podemos nos reunir no templo. A Semana Santa é um dos momentos fortes da nossa vida cristã, que damos imenso valor. Portanto, é preciso encontrar estratégias viáveis para vivenciarmos este momento de nossa fé.
Rezei numa manhã alegre e festiva. Pelo menos foi assim que o meu quintal mais uma vez amanheceu. Muitos papagaios sobre os pés de buriti. Uma verdadeira revoada deles, colhendo os frutos saborosos desta palmeira, num palavrório sem fim. Este ambiente me contagiou, tanto que acabei entrando no ritmo alegre deles. Pelo menos, eles não têm do que se preocupar com esta pandemia. Vivem a vida como se nada disso estivesse acontecendo. Nestas horas bem que eu queria ser um papagaio.
Viver a fé é estar em sintonia com o Projeto de Deus revelado em Jesus. É fazer a mesma experiência d’Ele, caminhando pelas estradas da vida, sendo instrumento da vontade do Pai. Trata-se de um desafio permanente, pois somos convocados a seguir nas pegadas de Jesus, fazendo de nossas vidas um esvaziar continuamente para sermos preenchidos pela lógica do Reino. Ser e estar com os pobres de Javé, construindo a história de libertação de nosso povo.
Jesus hoje está em Betânia. Na casa dos pobres. Estando com eles e cumprindo o seu messianismo. Ele não tinha dificuldades para estar com eles, uma vez que foi para esta missão à que veio: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção, para anunciar a Boa Notícia aos pobres”, retomando aquilo que fora dito pelo profeta Isaías (Is 61,1-2). Lembrando que estamos ainda no início da vida pública de Jesus, realizando a missão libertadora no meio dos pobres e oprimidos.
Do lugar do pobre, este é também o desafio que somos interpelados a assumir como igreja peregrina dos pobres. Do lugar social e geográfico dos mais vulneráveis. Não se trata de uma opção fácil de ser concretizada. Boa parte das nossas lideranças religiosas apresenta uma enorme dificuldade de fazer esta opção para estar com eles. Tudo por causa de onde os seus pés estão fincados. A cabeça pensa, a partir de onde os pés estão pisando. Estar com os pés no lugar social dos poderosos, da elite e daqueles mais ricos, acaba pensando como eles e defendendo os seus interesses mesquinhos.
Não basta fazer a opção pelos pobres, como fez Jesus. É preciso ajudar os pobres a fazerem a opção por eles mesmos. O pobre fazendo a opção por sua classe social. Muitos destes ainda não se convenceram de que a libertação só virá a partir do momento em que “o menor que padece acreditar no menor”. O pobre como protagonista de seu processo de libertação na história. Se os pobres soubessem do poder que possuem, com certeza já teríamos derrubado os poderosos do topo da pirâmide social, já que a base dela é que sustenta os de cima.
Mas isso é luta de classes, dirão os menos esclarecidos que ainda se deixam seduzir pelo “canto da sereia”. A luta de classes já está presente na nossa sociedade desigual e estratificada, uma vez que a base da pirâmide é explorada por aqueles que vivem às custas da exploração do trabalho dos que estão embaixo. Isso também não é comunismo, como os adversários da Teologia da Libertação, insistem em dizer com seus discursos prontos. Isso é Evangelho, como nos diria o Papa Francisco num de seus escritos mais recentes. Isto é opção de Jesus quando faz questão de ir à Betânia para estar com os mais pobres.
Estamos vivemos uma semana santa diferente das demais. Por causa do distanciamento social necessário, não podemos nos reunir nas nossas comunidades, para celebrar a liturgia própria deste tempo. Aqui entra a oportunidade de vivermos uma “Igreja em saída”, proposta pelo nosso pontífice. Ser igreja onde estivermos presentes. Uma igreja doméstica, que vive a sua experiência de fé, como nas primeiras comunidades cristãs. O templo é importante, mas não é o mais importante. Importante é fazer-se igreja célula viva com o Ressuscitado em meio às dores provocadas por tantas mortes. “Igreja é povo, que se organiza. Gente oprimida buscando a libertação…”