Dom e/a serviço

O domingo tão esperado pelos candidatos enfim chegou. Também uma data comemorativa. No dia de hoje, há 131 anos, em 1889, o Brasil era declarada uma república pelo marechal Deodoro da Fonseca, quando então o imperador Pedro II foi deposto em um golpe militar. Somos a partir de então a República Federativa do Brasil. Pátria tão amada e tão judiada pelas oligarquias carreiristas de alguns péssimos políticos de sempre. Um dia vamos passar este país a limpo. Ah, vamos!

Já passei pela urna, sacramentando o meu voto. Já fui exercer o meu direito cidadão. Um voto consciente, não para agradar quem quer que seja, mas naquele projeto que me representa e está a serviço dos mais pobres. Gostei da fala do padre Júlio Lancellotti quando se referia ao voto: “Na hora que você for votar, pense nos pobres.” Lembrando que o voto consciente é o único voto que o candidato mal caráter e corrupto não consegue comprar, pois esse voto só se conquista através da verdade.

Ontem fiquei sabendo de uma estatística estarrecedora. Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), a cada 23 minutos, um jovem negro é morto no Brasil. Estas mortes estão relacionadas ao racismo e a violência no país. Ser negro neste país significa ter que estar preparado para o enfrentamento de um racismo estrutural. O estigma da Casa Grande ainda fala alto nas relações de nossa sociedade. Para uma casta de brancos, Vidas negras não importam. É como se as pessoas negras já fossem juradas de morte, simplesmente pelo fato de serem negras. Inadmissível para um país que se diz “cristão”, ainda perpetuar em suas veias, este racismo estrutural.

Sonho com outra sociedade possível. Uma sociedade onde seremos iguais e as pessoas não deixarão de viver por causa da cor de suas peles. Uma sociedade nova, que era também o sonho de Pedro, onde a partilha e a solidariedade serão a moeda de troca. Uma sociedade de iguais, não como está escrito no artigo 5º da Constituição Federal de 1988: “Todos são iguais perante a lei”. Só que alguns são mais iguais que outros. Sonho este sonho possível, como está descrito na canção “Sonho Impossível”, dos compositores Mitch Leigh/Joe Darion/James Wong, eternizada na inconfundível voz de Maria Bethania: “Sonhar mais um sonho impossível, lutar quando é fácil ceder, vencer o inimigo invencível, negar quando a regra é vender”

Nosso bispo Pedro sempre gostou desta canção. Dizia que se fosse escrevê-la, não mudaria uma letra sequer. Quase sempre pedia que a nossa advogada da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Maria José (Zezé), cantasse para ele. Seus olhos brilhavam sob os acordes da linda voz da Zezé. Esta canção também foi um dos momentos mais marcantes do ritual funerário de Pedro. Zezé cantando, acompanhada pelo dedilhar do padre Saraiva ao violão, e todos nós chorando.

Sonhar o sonho de Deus, como Jesus sonhou na sintonia com o Pai. É o que vemos na liturgia deste 33º Domingo do tempo comum, com a narrativa que Mateus nos trás a parábola dos talentos (dons). (Mt 25,14-30) Texto bastante apropriado e que relata os primeiros passos dos seguidores de Jesus. Estamos falando do final do séc. I (década de 80), em que os cristãos, estavam já cansados de esperar a segunda vinda de Jesus e estavam perdendo aquele entusiasmo inicial, sendo substituído pela mediocridade, pela rotina, pelo comodismo e pela facilidade.

O texto em questão é uma advertência feita por Jesus aos seus seguidores, afirmando que não basta estar preparado, esperando de forma passiva a manifestação de Jesus. Ou seja, o discípulo de Jesus não pode esperar o Senhor de mãos erguidas e de olhos postos no céu, sem imergir nos problemas do mundo, se preocupando apenas em não se contaminar com as questões do mundo secular. É preciso arriscar e lançar-se à ação, para que os dons que cada um recebeu frutifiquem e cresçam. O discípulo, a discípula de Jesus deve esperar o Senhor profundamente envolvido e empenhado no mundo, ocupado em distribuir a todas as pessoas seus irmãos/as os “bens” de Deus e em construir o Reino aqui e agora. Você já parou para pensar nos seus dons e se os tem colocado a serviço? Que nestas eleições estejamos todos e todas empenhados/as na construção deste Reino, a partir do nosso voto consciente.