Sexta feira treze. Um dia pra lá de auspicioso para alguns. Para os mais supersticiosos, um dia típico para as suas conjeturas enigmáticas. Não para mim, como um filósofo que procuro ser, não consigo me prender a tais elucubrações. Fala mais forte em mim o lado cartesiano do filósofo francês René Descartes (1596-1650). Um dos meus amigos, nem de casa sai no dia de hoje, pois, segundo ele, tudo está sujeito a acontecer. Embora sendo muito sentimento, mas neste caso, a razão fala mais forte em mim.
Tive hoje a presença de companhias especiais, durante a minha oração da manhã. Um bando de araras azuis veio pousar no pé de manga do quintal. Muito barulhentas, diga-se de passagem, sobretudo para aquela hora da manhã. Aproveitamos para louvar o nosso Criador, enquanto elas degustavam as primeiras mangas, ainda verdes, da temporada. Sinal de que lá fora, há pouca opção de alimentação, diante do fogo que segue destruidor. Nesta hora, me fiz um com o universo, através de um dos versos do poema de São Francisco de Assis: “Louvado seja Deus na natureza, Mãe gloriosa e bela da beleza, e com todas as suas criaturas.” Viva Francisco! O de Assis e o de Roma também!
De Francisco de Assis para a nossa querida Irmã Dulce dos pobres. No dia de hoje, a Igreja Católica, recorda este “Anjo bom da Bahia”. Maria Rita de Sousa Brito Lopes Pontes, mais conhecida como Irmã Dulce dos pobres. Foi a primeira santa genuinamente brasileira, a ser canonizada. Seu principal lema era “Amar e Servir”. Fez da sua existência um instrumento vivo de fé, amor e serviço aos indigentes e enfermos. Deu a sua vida pelos pobres que encontrava pelo caminho de sua missão, no seguimento de Jesus de Nazaré. Assumiu as suas dores, amando e servindo-os no seu jeito simples de viver a fé. Tinha consigo a firme convicção de que “as pessoas que espalham amor, não têm tempo nem disposição para jogar pedras.”
A manhã deste dia 13 foi curta demais para os meus propósitos de hoje. Logo, tive que entrar em mais uma “live”, para ajudar na formação continuada dos professores indígenas. Desta vez, estavam presentes os profissionais da educação do Território de Marãiwatsédé e também os da aldeia Krehawã, da Escola Indígena Hadori do Povo Iny (Karajá). Aproveitei para falar acerca da Educação Escolar Indígena, diferenciando-a da Educação Indígena, e aquilo que está preconizado na legislação brasileira, sobretudo na Constituição Federal de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9.394/96). Muito assunto para uma manhã de formação necessitando, portanto, de um maior tempo para melhor aprofundar o assunto.
Muitos entre nós entendem que não há distinção entre a Educação Indígena e a Educação Escolar Indígena. Trata-se na verdade de duas coisas distintas, podendo vir a ser complementares. A Educação Indígena, é aquela que acontece nas aldeias indígenas, de forma natural em que os saberes, usos, costumes e tradições culturais são repassados, não somente na forma de organização social daquela etnia, bem como em todos os rituais culturais próprios. Conhecimentos, saberes tradicionais milenares, que são repassados também através da convivência diária de forma oral, cuja participação dos anciãos é fundamental na transmissão destes saberes. Esta é a Educação indígena que acontece entre eles bem antes da chegada do colonizador às aldeias. Saberes ancestrais que são perpetuados de geração em geração, mantendo viva a memória daquele povo.
De outro lado está a Educação Escolar Indígena. Uma proposta de educação ocidental sistemática, que adentrou as aldeias, possibilitando o acontecimento da formação dos alunos indígenas. Embora sendo tratados como seres infantilizados desde os tempos do Serviço de Proteção aos Índios (SPI -1910), com a sua proposta integracionista e, posteriormente com a criação da Fundação Nacional do Índio (FUNAI-1967), e o seu “tutelamento” dos povos indígenas, a legislação surgida a partir da CF/1988, traz algumas transformações significativas no jeito de se pensar sobre estes povos. A legislação vigente, permite aos povos indígenas sua autonomia, seja na sua cosmovisão, seja no seu jeito de viver na sua relação com a terra e o meio.
As lives são as coqueluches do momento. Muitas delas, que nem tem como acompanhar todas. Foi uma boa formação acontecida na manhã desta sexta-feira treze. Me sinto plenamente realizado quando me vejo dentro destas formações com os profissionais da Educação Escolar Indígena. Melhor mesmo seria se fosse presencial. O fato de não poder falar ou ouvir, olhando dentro dos olhos das pessoas, como fazem os povos indígenas, perde um pouco desta essência que é o estar juntos, e sentir também o calor do outro. Faço porque gosto. Faço por amor. Amo este meu lado educador com os povos indígenas. Tento incorporar em mim aquilo que fora dito pelo teólogo e filosofo humanista europeu Erasmo de Roterdã (1466-1536): “O amor recíproco entre quem aprende e quem ensina é o primeiro e mais importante degrau para se chegar ao conhecimento.”