Elegia a vida no amor

Sexta feira da quinta semana do período pascal. Devagar vamos trilhando as estradas da vida, na busca incessante da felicidade plena. Somos filhos e filhas do Deus da vida. O Deus que nos criou para a realização plena. Um Deus que se esmera em nos projetar para a amplitude da vida, na intensidade e integridade do bem viver. O amor com que nos criou deixou marcas indeléveis que as carregamos por toda a vida. Um Deus que, na sua amorosidade, nos faz humanos à sua imagem e semelhança, como identidade de pertença à sua natureza divina. O divino de Deus se fazendo humano em nossa humanidade. Humano e divino se fundindo em amorosidade.

Quis o Senhor que eu viesse a este plano no dia de hoje, nascendo no ventre materno aconchegante de uma grande mulher. O terceiro de uma prole que se constituiu de mais 12 outras irmãs e irmãos. Esta história de vida começou há 65 anos. Era uma manhã de segunda feira e a parteira amanheceu conosco, para acompanhar o nascimento daquele frágil rebento. Dona Maria parteira foi co-autora do projeto de vida chamado Francisco, possibilitando-me enxergar os primeiros clarões do dia. Um pequeno ser com um nome forte a zelar. Uma luz que se acendeu no horizonte histórico daquele pequeno ser no seio da família Machado. Mal sabia a mãe, que aquele menino seguiria uma trajetória além fronteiras, traçando um perfil inquietante, para além do horizonte de seu coração protetor de mãe. Porém, por todos os caminhos por onde andei, ali estava ela, com a sua amorosidade, conduzindo os meus passos sob a sua proteção materna.

Dela herdei todos os ensinamentos e a sabedoria que uma mãe simples, pobre e semi analfabeta é capaz de dar aos seus. Dela herdei o coração generoso. Dela aprendi que o meu ser masculino é também composto do ser feminino. O ser feminino que habita as minhas entranhas veio da humildade desta mulher guerreira e das outras 11 que me ensinaram, desde pequeno, a conviver com o outro sexo de forma harmônica e respeitosa, sabendo valorizar o outro ser diferente do meu ser. Com elas também aprendi que o feminino de Deus habita o interior de todos nós, razão pela qual somos seres intrínsecos que se completam na construção do projeto maior do Reino.

Somos filhos do amor. Somos filhos da gratuidade de Deus. A vida é o Dom maior que um ser humano é capaz de experimentar nesta sua passagem por aqui. Ao fazer opção por nós e nos escolher para fazer parte de seu plano de amor, Deus realiza poesia em nossa vida. Cada dia vivido é uma estrofe desta poesia que Ele vai nos permitindo escrever em parceira consigo. Nossa vida é poesia de amor, escrita no livro do Criador. A cada momento vivido nesta atmosfera, vamos dedilhando com o Ser Criador de Deus o projeto de nossa vida, até o dia em que leremos juntos, as páginas deste livro de poesia que foi o nosso plano existencial.

O amor é poesia, cantada em prosa e verso pelo Ser Criador de Deus. Amor e poesia que se fundem num projeto de vida de realização do ser criado. Amor que se faz gratuidade em Deus. Ele que escolhe nos amar por primeiro. O carinho, a ternura e a amorosidade de Deus, faz-se encontro conosco em todas as esquinas de nossa existência peregrina, rumo ao encontro pessoal com o Ser Criador de Deus. Somos a amorosidade de Deus em pessoa, por mais que alguns dos nossos, não deixem aflorar esta amorosidade inerente de Deus em si. Deus que muito nos ama e quer que sejamos puro amor nas nossas relações cotidianas: “Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei. (Jo 15,12)

Parafraseando o profeta e pequeno agricultor do povo de Israel Amós eu diria: Não sou poeta e nem filho de poeta. O que sei é que em Deus somos elegia ao amor infinito. Elegia que faz o nosso coração entristecer no dia de hoje. Na noite de ontem, nosso presbítero leigo das comunidades eclesiais foi se encontrar com o Pai. Sou alegria pelos meus 65 anos vividos junto aos povos indígenas, mas sou também tristeza pela partida do irmão e amigo Reginaldo Veloso. Como dizia Cazuza, enquanto “os meus inimigos estão no poder”, os meus amigos estão indo embora. Reginaldo animou por muitos anos as nossas comunidades com as suas canções pé no chão. Hoje canta ele na presença do Pai, animando o sonho de Deus. Na alegria e na tristeza, sou grato ao Senhor pelo dom da vida que há em mim. Gratidão também pelos tantos amigos e amigas que acalentam minha história de vida a partir da mística dos mártires da caminhada direto do Araguaia. As pessoas são poemas de amor que Deus colocou na minha vida, fazendo o meu existir mais pleno de luz.


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.