Em busca do eu

Estamos dando início a última semana do mês de julho. As escolas estão em recesso. Os professores, dando uma oxigenada em seus cérebros cansados, pela experiência de encarar, pela primeira vez, o ensino remoto. Tempos difíceis! Nunca trabalharam tanto. Perderam por completo a sua privacidade, pois a qualquer hora do dia, lá estão os alunos a lhes procurar. Mesmo assim, há aqueles que afirmam que as aulas presenciais precisam retornar, para que os professores e professoras voltem a trabalhar. Uma fala infame, feita por aqueles que não valorizam e nem respeitam os profissionais da educação que temos. Nos fazendo concluir com o humorista e escritor Jô Soares: “o material escolar mais barato que existe na praça é o professor.” Um país que não valoriza os seus professores, é um país fadado ao fracasso.

Acordei hoje introspectivo. Este espirito tem me acompanhado, durante este meu processo de recuperação. O irmão AVC, me possibilitou olhar mais para dentro de mim mesmo. Na realidade, este processo vem com o avanço da idade. Com o tempo, aprendemos a olhar mais para o nosso interior e a repensar muitas das atitudes que tínhamos ao longo da vida. Aquela tendência de sermos muito críticos, para com os outros, arrefece com o passar do tempo. Aprendemos a ser mais tolerantes e também mais críticos de nós mesmos. O equilíbrio vem chegando com o tempo a passar. Percebemos que estamos mais próximos do fim da nossa estrada, que do começo dela. A serenidade se faz presente nos nossos gestos, no nosso modo de ser perante o mundo.

Este tem sido um tempo especial em minha vida. Estou me tornando um contemplativo na ação. Não uma contemplação apática e indolente, mas uma contemplação que me faz resistente, à indiferença e a intolerância. Estou me enxergando como parte de um processo, cuja pedagogia do cuidado, me fez voltar para mim mesmo. Cuidar de mim para que possa também cuidar do outro. Aqui, me recordo da fala de um dos médicos da equipe que realizou a minha cirurgia. Mesmo sem me conhecer, disse-me: “neste momento da sua vida, você precisará cuidar mais de si que dos outros, pois senão não cuidará nem de si e nem dos outros.”

Todos nós necessitamos de momentos para fazer esta viagem ao nosso interior. Esta é uma das formas de fazermos as possíveis correções de rota, e alinhar o nosso ser com as utopias críveis. O norte-americano Carl Rogers (1902-1987), através de seu livro “Tornar-se Pessoa”, publicado na sua primeira edição em 1956, nos ajuda a desenvolver este processo. Segundo este psicólogo, o entendimento humano e o nosso crescimento pessoal, são atingidos quando vamos nos apropriando desta força interior que habita o nosso ser. Força esta que muitos de nós as desconhecemos, pois nos apegamos mais ao nosso ser aparente e exterior. Exatamente esta mesma força interior que é a do conhecimento pessoal, daquilo que somos na nossa essência, e que os místicos vão dizer que só pode ser habitado pela presença de Deus em nossas vidas.

Tenho tido mais tempo agora, para escutar esta minha voz interior. Ver e escutar as vozes que brotam de minhas entranhas. Escutar o burburinho lá fora é muito mais fácil. Difícil é escutar o que vai dentro de cada um de nós. No texto do evangelho de hoje, Jesus se dirige aos seus e afirma: “Felizes sois vós, porque vossos olhos veem e vossos ouvidos ouvem.” (Mt 13,16). Provavelmente, Jesus não estava se referindo a este olhar sobre eles mesmos, mas sobre os acontecimentos salvíficos concretos, promovidos pela sua ação libertadora no meio deles. Todavia, para manter esta sintonia com o Projeto do Reino, anunciado por Jesus, se fazia necessário esta experiência, de cada um deles e delas se verem envolvidos nesta mesma dinâmica.

Tornar-se pessoa e assim promover a mudança de personalidade, este é o desafio proposto por Rogers. Ver e escutar a realidade que brota a nossa volta, como nos propõe Jesus de Nazaré. Ver e ler o mundo na perspectiva de Paulo Freire. São processos pelos quais devemos passar, como forma de construir um mundo mais humanizado. Um mundo em que possamos ser todos e todas felizes e realizados como pessoas. Se não assim o fizermos, corremos o risco de cair naquilo que fora dito por Albert Einstein: “O mundo é um lugar perigoso de se viver, não por causa daqueles que fazem o mal, mas sim por causa daqueles que observam e deixam o mal acontecer.”