Entre a dor e a esperança

Mais um sábado (30) no calendário da pandemia. As notícias tristes não param de chegar até nós. Em algumas cidades, as infecções e mortes seguem acontecendo. Para uma cidade do porte de São Félix do Araguaia, ter 9 casos de pessoas infectadas em média por dia é muito. Isto com toda a negligência dos poderes públicos. Nestas horas, não se encontra um vereador sequer, que nos dê alguma satisfação. Um bando de inúteis, mais preocupados com os seus conchavos políticos. Ineficiência e descaso têm nome e sobrenome.

Rezei hoje a oração do desabafo. O sentimento de indignação toma conta do meu dia a dia. Como ficar indiferente diante de tanto descaso para com a vida dos mais pobres? Meditei um salmo apropriado para o momento. Desabafo de quem não tem mais a quem recorrer, suplica a Deus, que é o refúgio dos necessitados. “Salva-me, ó Deus, pois a água está chegando ao meu pescoço. Estou afundando no lodo profundo, sem nada que me segure; vou afundando no mais fundo das águas, e a correnteza me arrastando (Sl 69, 2-3) Deus é a coragem dos pobres.

O Evangelho do dia de hoje (Mc 4,35-41) também é bastante significativo no que diz respeito ao desespero. Enquanto os discípulos de Jesus estão prestes a afundar no mar revolto, Jesus dorme tranquilamente ali com eles. Mesmo estando com o mestre a bordo, eles titubearam, e tiveram muito medo, ao ponto de indagá-lo: “Mestre, estamos perecendo e tu não te importas?” (Mc 4, 38) Mesmo com o “cara” estando ali no meio deles, eles tiveram medo. Numa demonstração clara da falta de fé. Mesmo sendo Jesus o Senhor da história e dos povos, eles não conseguiram perceber que as ações do Messias transforma as situações.

O mesmo estamos vivendo nos dias de hoje. Somos assolados pelo medo que mora em nós. Vivemos no limiar entre a dor e a esperança. Estamos com muito medo, esta é a verdade. Não só pela morte que se aproxima cada vez mais de nós, mas também de saber de toda a irresponsabilidade no trato da vida humana em nosso país. Segundo um estudo feito na Nova Zelândia, o Brasil é tido como o pior país do mundo na gestão da epidemia de Covid-19. A Transparência Internacional divulgou seu índice de percepção de corrupção, e afirma que a resposta à pandemia está relacionada ao problema da corrupção. Neste quesito, agora somos os campeões dela.

Sai dessa Brasil! Um país considerado como um paraíso para se viver. “Um país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza”, já nos falava a canção. Paraíso que fomos perdendo ao longo dos últimos anos. Faz-nos lembrar de um dos livros do Frei Carmelita Carlos Mesters: “Paraíso Terrestre: Saudade ou Esperança?” Publicado no ano de 1987, pela Editora Vozes. Neste livro, Mesters nos mostra, que as descobertas científicas e teológicas chegaram á conclusão de que o mito é algo de muito sério na comunicação humana, que ele tem uma profunda significação e que continuamos, ainda hoje, a criar mitos. O problema é descobrir a verdadeira mensagem que o mito quer revelar. O autor aplica esta teoria aos primeiros capítulos da Bíblia, sobre o Paraíso, Adão e Eva e o Pecado Original.

Os tempos são outros. Os tempos mudam, e como mudam. Mudam os tempos e mudamos também nós. Vivemos numa realidade que aprendemos a relativizar muitas coisas. O tempo de ontem já não é mais o tempo de hoje que, por sua vez, não será o de amanhã. Nestas horas precisamos retomar Santo Agostinho que já nos dizia no seu tempo que “o passado não existe mais, o futuro ainda não chegou e o presente torna-se pretérito a cada instante. O que seria próprio do tempo é o não ser. Os tempos são três: presente das coisas passadas, presente das coisas futuras e presente das coisas presentes”.

Também nestes novos tempos, as pessoas aprenderam a inventar mitos com relativa facilidade. Temos um “mito” as avessas entre nós. Pelo menos é assim que, parte dos menos esclarecidos vê um determinado personagem da nossa vida pública folclórica. Mito que está mais para mico, do que propriamente de um mito em si. Só Jesus na causa! Mesmo diante de tanto desafio, frente a nossa sobrevivência, e a luta para manter-nos vivos, num cenário de morte, alguns de nós ainda encontra tempo para fantasiar e falsear a realidade. Apesar de conviermos frequentemente com o medo, não podemos deixar que ele nos impeça de lutar por aquilo que acreditamos. E, ao contrário dos discípulos de Jesus que titubearam, mesmo estando com ele presente, acreditemos ao menos, nesta força revolucionaria d’ELE, que está presente no meio de nós. E que possamos dizer com o filósofo Platão: “Podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro; a real tragédia da vida é quando as pessoas têm medo da luz!