Entre a morte e a vida

Sexta feira Santa da Paixão do Senhor. A última sexta feira antes do Domingo de Páscoa. Nesta data, nós cristãos fazemos a memória do dia em que Jesus de Nazaré foi crucificado. A origem desta nomenclatura “Paixão” oriunda do latim, significando sofrimento da crucificação de Jesus. Dia para refletir. Um dia de reflexão sobre todo o processo que levou Jesus à morte. Todos os rituais litúrgicos deste dia levam os cristãos a esta reflexão. A Sexta feira Santa é o único dia do ano em que a Igreja Católica não celebra nenhuma missa, para tristeza dos “devocionistas fundamentalistas tradicionais” que reclamam, sem querer entender.

Uma sexta feira muito triste para os mais coerentes e sensatos que acreditam nos valores da vida acima de tudo. A sociedade brasileira está de luto pela morte cruel das inocentes crianças que morreram brutalmente assassinadas no interior de uma creche. Falhamos todos nós e falharam principalmente aqueles que passaram por estes longos quatro anos, disseminado a violência, o ódio, a aquisição de armas e a caracterização das arminhas, inclusive com crianças ao colo. Tal situação nos remete aquilo que fora dito pelo escritor e poeta francês Victor Hugo (1802-1885): “Quanto menor é o coração, mais ódio carrega”.

Não foi mais uma violência na escola ou na creche, mas uma violência “contra” a escola e “contra” a creche. Na sua proposta humanista reflexiva, a escola não ensina seus alunos a serem violentos e odiosos. Da mesma forma que, a nossa sociedade não é e nem está doente. Doente, estão algumas pessoas que, encorajadas pelo contexto da violência disseminada, saíram do limbo de seus interiores, dando vida aos seus demônios que ali habitavam. Respeitamos e nos solidarizamos com a dor imensurável dos familiares enlutados, mas o nosso LUTO tem que se transformar em LUTA por uma vida mais digna de ser vivida para todos e todas. Uma sociedade que não respeita e valoriza o/a professor/a e mata suas crianças não pode ser uma sociedade do “bem!”

Sexta feira Santa. Jesus de Nazaré, preso numa cruz como prisioneiro político, sentenciado e morto entre dois poderes: o poder do Estado (Império Romano) e o poder religioso, em nome do deus deles. Segundo os estudos da Cristologia, quem morreu na cruz foi Jesus de Nazaré, o Jesus Histórico e não o Cristo. Sim, porque segundo estes mesmos estudos cristológicos, o Cristo é “pós pascal”, o “Cristo da fé”, já que a compreensão daquela comunidade, tardiamente o reconhece assim: “de fato, Ele era mesmo Filho de Deus!” (Mt 27,54). Ou seja, em meio ao aparente “fracasso”, a fé descobre todo o significado da morte de Jesus: lutou e deu a sua vida por amor.

A cruz como sinal de punição àqueles que se rebelavam contra os poderes constituídos. É bom que entendamos assim para não justificar e naturalizar a morte de Jesus, como se Ele tivesse a cruz como horizonte de perspectiva para a sua vida ou que este fosse o desejo de Deus para o seu Filho amado. Segundo a compreensão teológico-exegética, a cruz entra na vida de Jesus como sinal da sua da opção de fidelidade à vontade do Pai. Este sinal de contradição da aceitação da cruz decorre em consequência da fidelidade de Jesus para com a causa dos pequenos, pobres e marginalizados para os quais viera e deu a vida. Quem matou Jesus foram os mesmos que estavam matando os pobres, por quem Jesus lutava.

A espiritualidade da sexta feira é extremamente revolucionária. Esta é a espiritualidade de quem, ao combater as forças da morte, perdeu a vida por amor a causa. Não se trata de uma espiritualidade de cultuar um morto, como muitos cristãos fazem questão de vivenciar a sua fé de “Sexta feira da Paixão”. Muitos destes só participam da celebração da Sexta feira Santa e, se não tocarem no esquife do Senhor morto, não se dão por satisfeitos. Cultivam em sua fé infantilizada, uma espiritualidade da morte e não da vida que daí decorre com Jesus Ressuscitado. Espiritualidade libertadora de e com Jesus pela vida que deve ser abundante: “Sou Aquele que Vive. Estive morto, mas agora estou vivo para todo o sempre! (Apoc 1,18).

Não somos seres criados para a morte. De modo algum! Deus não nos cria para morrer! No sonho mais feliz da ternura de Deus, a criação foi pensada para a vida plena. Cada dia é um dia a ser vivido com toda a plenitude que pode brotar de dentro de nós. Cada dia que passa é uma chance a mais para desenvolvermos as nossas potencialidades que cada um possui dentro de si. Cada dia que passou, foi uma oportunidade desperdiçada, se não conseguimos dar o melhor de nós. E nada de querer comparar com os outros, mas comparar com o melhor que podemos dar de nós mesmos. Na cruz redentora de Jesus fomos todos redimidos e transformados em vidas que podem e devem ser pelas outras vidas. Ao descer Jesus da cruz, Deus nos mostra que a sua força é bem maior que as forças da morte, ao Ressuscitar o seu Filho para continuar sendo vida dentro de cada um de nós. Nossa missão agora é descer também da cruz os crucificados da história, dando testemunho de Jesus.

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.