Entre o amor e a fidelidade

Sexta feira da Sétima Semana do Tempo Pascal. “Sextando” pela última vez no mês dedicado à Maria, a Mãe de Jesus. Os dias são únicos e para serem vividos com a intensidade máxima que podemos dar de nós mesmos. Este dia nunca mais há de voltar, e será substituído pelo que ainda virá. A chance de viver este dia é agora. Amanhã, não mais! Viver um dia de cada vez e com toda a intensidade que ele requer é o nosso maior desafio. As rédeas do dia estão em nossas mãos, quiçá possamos fazer aquilo que Nietzsche nos dizia: “Eu não sei o que quero ser, mas sei muito bem o que não quero me tornar”.

Os dias frios do outono vão dando as caras também aqui pelos lados do Araguaia. Não com a mesma intensidade como ocorre por outras regiões deste país de dimensões continentais. Somos uma parte ínfima dos 8.510.000 km². No entanto, o rio segue o seu roteiro traçado, cada dia perdendo mais as suas voluptuosas águas. Aqui e acolá, suas praias vão ficando desnudas. Muitos pescadores ribeirinhos em busca do sustento ou simplesmente do pescado para alimentar os seus. Esta é a dinâmica do Araguaia que segue sendo e trazendo a vida para muitos de seus ribeirinhos.

Somos seres de fidelidade, ou não! Fidelidade ao que se pensa, acredita e procura viver na coerência que a vida requer. Amor de fidelidade às mesmas causas de Jesus de Nazaré, este é o imperativo maior de quem quer seguir na mesma toada d’Ele. Todo amor, toda fidelidade tem um preço a ser pago. Amor e fidelidade que possuem consequências. Amor de quem se dá por inteiro, seja na relação ou no compromisso de ser com e para o irmão, a irmã. Como diria nosso desenhista, humorista, dramaturgo, escritor, poeta, Millôr Fernandes (1923-2012): “O preço da fidelidade é a eterna vigilância”.

A temática do amor volta mais uma vez como objeto da nossa reflexão que a liturgia do dia de hoje nos possibilita. Jesus falando com os seus discípulos e os inquirindo acerca do grau do amor deles para consigo. Pedro é o escolhido da vez para esta sabatina: “Simão, filho de João, tu me amas mais do que estes?” (Jo 21,15) Jesus perguntando numa dimensão e o discípulo respondendo em outra: “Sim, Senhor, tu sabes que eu te amo”. Jesus aguardando uma resposta em Ágape e Pedro respondendo na dimensão de Philia.

Os gregos mais antigos tinham pelo menos três formas de palavras para definir o amor. Para eles, o amor não pode ser entendido apenas como um sentimento que alguém sente por outro alguém. Assim, eles classificaram o amor em três dimensões distintas: “Eros”, “Philia” e “Ágape”. “Eros” era o amor romantizado, caracterizado pela paixão, pelo desejo, associado ao prazer e a atração física e ao sexo. O “Philia” significava amizade, lealdade e estava ligada às questões familiares. Era também caracterizado pela sinceridade, ultrapassando a dimensão anterior do Eros.

Ao perguntar ao discípulo referência para os demais, a resposta que Jesus aguardava de Pedro era aquela fundamentada no amor “Ágape”. Não somente à pessoa de Jesus em si, mas à todos os seres. Um amor que envolve a pessoa por inteiro, numa conexão profunda com a natureza, a humanidade e o universo como um todo. O amor Ágape que é o amor de Deus pelo ser humano, como o Pai de todos, e o amor de Jesus para com os seus discípulos. O amor Ágape é gratuito e se manifesta no ato do dar-se por inteiro. Amor que não se mede, mas se vive e compromete como o ser amado. Amor conjugado com fidelidade de quem ama e sente com o outro o seu sentir.

A pergunta dirigida a Pedro continua sendo feita a cada um de nós em particular. Jesus também nos pergunta hoje: Tu me amas? Resta saber, qual tem sido a nossa resposta a esta pergunta de Jesus. Quase sempre, temos a tentação de respondê-la com a palavra “Philia”, o que não satisfaz o anseio de Jesus. Ele que nos considera a todos e todas como amigos e irmãos. Ele nos ama, dando a sua vida e quer que o sigamos, colocando-nos a serviço da comunidade e sendo capaz de amá-la até o fim, dando por ela até a própria vida. Quem verdadeiramente se ama com a dimensão do amor Ágape, é capaz de amar também o outro na mesma tonalidade. Amor de coerência e fidelidade a nós mesmos, afinal, “Só se pode alcançar um grande êxito quando nos mantemos fiéis a nós mesmos”. (Friedrich Nietzsche) Segue-me! Dir-nos-á Jesus.

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.