Entre o medo e a covardia

Décimo Segundo Domingo do Tempo Comum. Não é que o Domingo seja comum, como um dia qualquer. Ele é o “Dia do Senhor!” Por “Tempo Comum”, devemos entender o longo período, que se encontra entre os ciclos do Natal e da Páscoa. Na prática são ao todo 33 ou 34 semanas. Este é um tempo litúrgico que na segunda-feira após a Festa do Batismo do Senhor, ou na terça-feira, quando a Epifania é celebrada no dia 7 ou 8 de janeiro, quando então o Batismo do Senhor é celebrado na segunda-feira. Na terça-feira de Carnaval, o Tempo Comum é interrompido, sendo retomado na segunda-feira depois do Domingo de Pentecostes, prolongando até o sábado que antecede o primeiro Domingo do Advento. No Tempo Comum não se celebra um aspecto de nossa fé, como é o caso do Natal (Encarnação), e Páscoa (Redenção), mas celebra-se todo o mistério de Deus, em sua plenitude.

Um domingo que recai numa data importante para todos nós latino-americanos. O dia 25 de junho é o “Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha”. Aqui no Brasil, é também “Dia de Tereza de Benguela”, uma das maiores lideranças quilombolas, sendo aclamada rainha do povo negro, resistindo bravamente à escravidão por duas décadas. Segundo o último censo de 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 49,5% das mulheres se consideram pretas e pardas. Entretanto, apesar do grande número, elas têm pouco a comemorar. A data serve como um reforço na luta no combate à violência, pelo acesso à saúde, à educação e nos espaços de poder. Lembrando que a mortalidade materna na mulher negra tem aumentado nos últimos anos. Cerca de 60% dos óbitos maternos registrados no País são de mulheres pretas ou pardas.

Neste Segundo Domingo, seguimos dando continuidade a reflexão do “Discurso Missionário de Jesus”, iniciado no domingo passado. O evangelista Mateus é um especialista em dividir o seu Evangelho, metódica e didaticamente, onde ele nos traz os ensinamentos de Jesus aos seus discípulos e discípulas em forma de discursos. Trata-se de uma estrutura bastante interessante, assim distribuída: o discurso da montanha (Mt 5–7); o discurso missionário (Mt 10); o discurso em parábolas (Mt 13); o discurso comunitário (Mt 18) e o discurso escatológico (Mt 24–25).

Depois de convocar os seus discípulos, preparar e instrui-los, Jesus os envia como apóstolos, após receberem autoridade para fazer as mesmas coisas que Ele fazia. A missão do discipulado é ser com e como Jesus, anunciando a Boa Nova, promovendo a libertação dos pobres e quebrando todas as estruturas que oprimem e exploram os empobrecidos. Jesus não anunciou apenas o Reino de Deus. Ele enfrentou todas as maquinações seja das autoridades religiosas e também politicas, criando mecanismos de libertação dos pobres e marginalizados. Esta é também a missão dos seus seguidores, de dar continuidade, em missão, na busca do Reino. Para tanto, o discípulo não pode se intimidar e, numa atitude covarde, deixar que o medo o afaste deste propósito.

“Não tenhais medo dos homens, pois nada há de encoberto que não seja revelado, e nada há de escondido que não seja conhecido”. (Mt 10, 26) É assim que o texto do Evangelho de hoje inicia, com Jesus encorajando os seus para que não deixassem se abater pelo medo. Aliás, esta não é uma prerrogativa de Jesus, já que em um dos livros do Pentateuco está assim escrito: “Sejam fortes e corajosos! Não tenham medo, nem fiquem apavorados diante delas, porque Javé seu Deus é quem vai com você. Ele não o deixará, e jamais o abandonará”. (Dt 31,6)

Ser missionário com e como Jesus é a tarefa principal do Ser discípulo d’Ele. Enfrentar a realidade sem medo e sem covardia. Não se trata de ser melhor que os outros ou estar acima deles. A função principal do ser missionário é a de ser mediador entre Deus e o povo sofrido e marginalizado. Não ter medo significa que a missão se baseia na verdade, que põe a descoberto toda a mentira de um sistema social que não mostra a sua verdadeira face. É a verdade que liberta e salva. A mentira, o ódio e a enganação podem até serem obstáculos, mas aqueles e aquelas que se põem em missão, imbuídos da verdade, sabem que podem contar com a presença viva d’Ele, já que quem é fiel terá Jesus a seu favor diante de Deus. O medo é a força que move os fracos e covardes. A verdade é a armadura de quem não se omite diante da realidade de sofrimento do povo. Anunciar que o Reino está próximo exige a luta, o empenho e compromisso solidário para que tudo o que se opõe a esse Reino seja superado pela força do amor-serviço. Como diria o filosofo ateniense Sócrates: “Alguns têm coragem nos prazeres; outros, nas dores; alguns, no desejo; outros, nos medos; e alguns são covardes sob as mesmas condições”.

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.