Entre o medo e o descrédito

Segundo Domingo da Páscoa. Domingo da Misericórdia. O Período é Pascal. E vamos assim até a Festa de Pentecostes. Continuamos celebrando o acontecimento central da fé cristã: a Ressurreição de Jesus. Uma realidade plena do esperançar da vitória da vida sobre a morte. Foi o Papa João Paulo II, que em 2000, instituiu o Segundo Domingo da Páscoa para celebrarmos a Festa da Misericórdia. Numa alusão ao salmista que assim reza: “eterna é a sua misericórdia” (Sl 118,2). Por ocasião do Ano da Misericórdia, que foi celebrado em 2016, o Papa Francisco, fez questão de lembrar que “a Misericórdia é um dos principais atributos de Deus. Deus é Misericordioso”.

Misericórdia que brota de um coração que muito ama e sabe perdoar. Etimologicamente a palavra misericórdia tem a sua origem latina, e é formada pela junção de duas outras palavras, “miserere” (ter compaixão), e “cordis” (coração). Seria mais ou menos, “ter compaixão com o coração”. Alguém movido pela misericórdia seria aquela pessoa que tem em si a capacidade de sentir aquilo que a outra pessoa sente, numa aproximação direta de sentimentos e atos. Talvez a frase que mais aproxima da misericórdia seja “ser solidário com as outras pessoas”, naquilo que elas sentem e experimentam no dia a dia.

Para o cristão verdadeiro, a Misericórdia se transforma numa bandeira de luta a ser carregada ao longo das nossas vidas. A Misericórdia maior está em Deus, na qual devemos todos nos espelhar. Na sua Misericórdia Divina Deus não somente nos ama muito, mas nos acolhe assim como somos e nos perdoa as infidelidades que vamos acumulando em vida. O próprio Jesus manifestou esta Misericórdia de Deus quando em uma de suas falas ele assim o diz: “Eu não condeno quem ouve as minhas palavras e não obedece a elas, porque eu não vim para condenar o mundo, mas para salvar o mundo”. (Jo 12,47). Jesus sendo a extensão da Misericórdia Divina em nossas vidas.

Misericórdia, Senhor exclamamos nas horas mais difíceis como agora, que estamos vivendo. Um anseio de paz profundo percorre o nosso ser interior na busca por uma vida de mais sossego e tranquilidade. Nunca que a paz esteve tão ameaçada. Vivemos dias de infortúnio e desassossego, fruto de uma sociedade que tem se especializado em ser odiosa e violenta, ameaçando a paz de todos. Nunca, Jamais imaginamos que as nossas escolas fossem se transformar num espaço de acontecimento da violência, ao ponto das famílias não terem a segurança necessária para mandar os seus filhos para as escolas.

Não é que a nossa sociedade seja violenta em sua essência. Algumas pessoas entre nós tem se esforçado em fazê-la violenta. Os odiosos cavernosos de plantão. O ódio tomou conta destas pessoas ao ponto delas disseminarem todo tipo de violência, tendo nas redes digitais o seu principal aporte. Não que estas pessoas não existissem anteriormente, mas é que agora elas encontraram espaço para extrair de dentro delas os seus demônios interiores que ali estavam alojados. A essência do ser humano é amor, mas a perversão permitiu que o desamor ganhasse as luzes dos holofotes. Como diria Leonardo da Vinci (1452-1519): “O olhar de quem odeia é mais penetrante do que o olhar de quem ama”.

Domingo da Misericórdia que é também o Domingo da Paz. A liturgia de hoje flagra Jesus mais uma vez levando a Paz aos seus seguidores. Por três vezes Jesus proclama o seu desejo de Paz. Paz em todos os sentidos e possibilidades. Esta é a paz que vem de Deus como “Shalom”, não como a paz que o mundo conhece e proclama geralmente relacionada à ausência de guerras. Mais do que um sentimento de paz, ela vem da presença de Deus, da justiça do Reino. É tudo o que Deus deseja para os seus. Não sem razão que a palavra “Shalom” aparece bem mais de 350 vezes lá no Antigo Testamento.

“Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas, por medo dos judeus, as portas do lugar onde os discípulos se encontravam, Jesus entrou e, pondo-se no meio deles, disse: A paz esteja convosco”. (Jo 20,19). Diferente do que possamos imaginar Jesus não promete a paz do comodismo, do medo e do isolamento (portas fechadas). Ao contrário, envia os seus discípulos à missão árdua em favor do Reino. Shalom que, ao mesmo tempo é Dom que vem de Deus, é também desafio, pois esta mesma paz precisa ser construída na vida pessoal, nas relações do laço familiar, na comunidade eclesial e na sociedade como um todo.

Ter a paz é acreditar nela e por ela lutar. É acreditar que somos capazes de por ela lutar e construir laços de paz fundamentados na justiça do Reino. Não como Tomé, figura clássica daquele que só acredita se enxergar com os seus próprios olhos. Quem tem fé supera o medo e o descrédito. Não precisa ver para acreditar, porque dentro de si está a força maior que o impulsiona. Fica a dica de Jesus: “Acreditaste, porque me viste? Bem-aventurados os que creram sem terem visto!” (Jo 20,29) Que possamos abrir os nossos olhos e também o coração para acreditar sem ter visto, e darmos continuidade a justiça do Reino, como testemunhas do Ressuscitado que está no meio de nós!


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.