Entre o medo e o testemunho fiel

Segundo Domingo da Páscoa. Domingo da Misericórdia. Com este domingo, fechamos o período litúrgico da Oitava da Páscoa. O clima ainda é pascal. Este Domingo da Misericórdia foi instituído pelo Papa João Paulo II, no ano 2000. Desta forma, o Segundo Domingo da Páscoa passa a ser chamado em toda a Igreja como o Domingo da Divina Misericórdia. Lembrando que a palavra misericórdia tem a sua origem latina, formada pela conjunção de “miserere”, significando “ter compaixão”, e “cordis” que quer dizer “coração”. “Ter compaixão com o coração”, significando ter a capacidade de sentir exatamente aquilo que a outra pessoa está sentindo, numa aproximação dos sentimentos próprios aos sentimentos de outrem. Ser solidário com o outro na dor. Deus, além de ser misericórdia, quer que sejamos todos misericórdia: “Misericórdia é que eu quero, e não sacrifício” (Mt 9,13).

Deus é misericórdia por que Deus é amor! A vivência concreta do amor é a mais bela experiência humana que alguém pode sentir em si. A essência do ser humano é amor. A base fundamental do humano em nós se codifica pela linguagem inconfundível do amor. Amor que perpassa todas as nossas entranhas. A mais profunda e tocante certeza que podemos ter é a do amor intrínseco de Deus por nós. O amor não faz parte de uma invenção humana. O amor é divino, vem de Deus, e Ele é o Amor. Deus é amor: “Amados, amemos uns aos outros, pois o amor procede de Deus. Aquele que ama é nascido de Deus e conhece a Deus. Quem não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor” (1 Jo 4,7-8).

O dia 24 de abril é um dia especial para a comunidade “surda” do Brasil. Um grande passo foi dado no sentido de beneficiar esta comunidade significativa do Brasil. Foi exatamente nesta data, no ano de 2002 que foi regulamentada a Lei nº 10.436, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras. Esta lei passou a reconhecer a Língua Brasileira de Sinais, língua de modalidade gestual-visual utilizada pelos surdos, como língua. É através destes gestuais que esta comunidade se comunica, possibilitando assim interagirem entre si e com as demais pessoas. É como se ouvissem as suas vozes interiores se comunicando. Menos sorte teve o gênio compositor germânico Beethoven (1770-1827), que assim certa feita se expressou: “No paraíso eu vou ouvir!” Beethoven era completamente surdo.

Comunicação que não faltou entre Jesus e os seus seguidores. O Mestre Nazareno era um comunicador por excelência. Não guardou para si o dom de se revelar aos seus através da palavra dita e concretizada nos sinais do Reino. É o que a liturgia deste domingo nos apresenta. Mais uma vez, como nos demais anos anteriores deste segundo domingo da Páscoa, lemos o texto próprio da comunidade Joanina (Jo 20,19-31). Jesus se colocando mais uma vez no meio dos seus e fazendo questão de trazer-lhes o sentimento de que eles mais necessitavam: “A paz esteja convosco”. (Jo 20,19) O contexto aterrador de sua morte, gerou uma crise interna entre os seus seguidores, inibindo completamente as suas ações. O medo se apossou de todos eles, os fazendo ficar trancafiados em si mesmos.

“Sereis as minhas testemunhas, pois estais comigo desde o princípio”. (Jo 15,27) Como ser testemunha se o medo fala mais alto e falta a coragem necessária para serem anunciadores da Boa Nova da Ressurreição? Talvez por este motivo, Jesus tenha dito mais de uma vez, manifestando a sua paz à eles. O medo definitivamente impede o anúncio e o testemunho. Assim, além de se fazer presente entre eles, Jesus os liberta do medo, mostrando-lhes que o amor doado até as últimas consequências é sinal de vitória e alegria. Quem se doa plenamente, experimenta em si a gratuidade do próprio Deus em pessoa. Ser seguidor de Jesus não significa anunciar a si mesmo, mas a pessoa do Ressuscitado que traz consigo.

É necessário mais do que um simples acreditar. É preciso revestir-nos da pessoa do Ressuscitado. Nisto aparece a figura emblemática de Tomé. Ele preferiu continuar não acreditando, se não visse com seus próprios olhos. Este inusitado personagem simboliza todos aqueles e aquelas que não acreditam no testemunho da sua própria comunidade e exigem uma experiência muito particular para acreditar. Diante desta incredulidade, Jesus faz questão de revelar a Tomé, no interior da comunidade. Com esta sua atitude, Jesus quer dizer que as gerações futuras acreditarão n’Ele como ser Ressuscitado, através do testemunho da comunidade cristã. É o sangue do Ressuscitado que rega as nossas lutas de seguidores de seus passos. Entre o medo e o testemunho fiel, ficamos com o segundo. Ademais, como sempre nos dizia nosso bispo Pedro: “A igreja católica e o próprio cristianismo nasceram com o sangue dos mártires. Os três primeiros séculos da era cristã, quando a igreja estava em seu nascedouro, contam milhares de mártires. O sangue jorrado dos que morreram regou a fé dos que ficaram”.


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.