Escola Bíblico Teológica em Candói

Aconteceu no sábado, 26 de agosto, a terceira etapa da Escola Bíblico Teológica das Paróquias de Candói, Cantagalo, Foz do Jordão e Reserva do Iguaçu. Orientados pelo Padre Vanderlei da Diocese de Palmas, os participantes refletiram sobre o Evangelho segundo Marcos. Na sequência o resumo oferecido pelo assessor.

Marcos – Evangelho Sinótico

Por muito tempo, o Evangelho de Marcos foi considerado um resumo de Mateus e, por isso, posterior. Foi relegado a segundo plano. Voltou a receber mais atenção quando se descobriu ser o primeiro dos atuais quatro Evangelhos. É o mais breve dos Evangelhos, com 680 vv. (Mt: 1.068 vv.; Lc: 1.149vv.) e o único que se apresenta sob tal título (Mc 1,1) “Início do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus”. É o mais antigo dos Evangelhos canônicos.

O Evangelho de Marcos é chamado de Evangelho querigmático: porque ele apresenta o querigma, ou seja, o primeiro anúncio cristão da morte e ressurreição de Jesus, de acordo com as escrituras (cf. 1Cor. 15, 3-5). Encontramos também em Mc algumas ausências. Não há narrativa da genealogia, nem das infâncias de João Batista e de Jesus, nem do Pai Nosso e nem das Bem aventuranças. A narrativa das tentações está resumida (Mc 1,13). 

A ausência de discursos de Jesus faz com que o evangelho de Marcos tenha só um pouco mais da metade da extensão que os de Mateus e Lucas e não chegue a dois terços do de João. Marcos conta 673 versículos, enquanto Mateus 1068 e Lucas 1149, com 11242 palavras, Mateus 18305 e Lucas 19428 e João 15416.

Dessas, só 79 são próprias de Marcos e, dos 16 capítulos, só quatro parágrafos são próprios. Todo o resto reaparece em Mateus ou em Lucas ou em ambos. Convém salientar, entretanto, que Marcos não é um resumo, apenas é mais breve que Mateus e Lucas. Em outras palavras, o evangelho de Marcos foi o primeiro evangelho a ser escrito e serviu de base redacional aos outros dois Mateus e Lucas, chamando-se de sinóticos

 Passagens que somente encontramos no Evangelho de São Marcos:

  1. Mc 4,26-29. E a narrativa da semente que germina por si só, logo depois da parábola da semente/semeador capítulo 4.
  2. O cego de Betsaída Marcos 8,22-26
  3. Os discípulos, o sal da terra Mc 9,49-50.
  4. Final do discurso escatológico de acordo com Marcos. Marcos 13,33-37
Autor e destinatários, local e data do Evangelho de Marcos.

Quem é Marcos? Seria o João Marcos que aparece em At, filho de Maria, em cuja casa a comunidade de Jerusalém se reunia e para onde se dirigiu Pedro após sua miraculosa libertação (cf. At 12,12-17)? Talvez seja ele o discípulo anônimo de Mc 14,51. Sabemos que Marcos era primo de Barnabé (cf. Cl 4,10). Foi companheiro dele e de Paulo, na primeira viagem missionária (cf. At 12,25; 13,5). Por sua causa Barnabé e Paulo se desentenderam (cf. At 15,36-39).

O certo é que mais tarde João Marcos aparece ao lado de Paulo. Em Cl 4,10 o autor que se coloca nas vestes de Paulo o recomenda à comunidade de Colossas. Fm 1,24 menciona-o como colaborador de Paulo. Em 2Tm, o autor pede que Timóteo leve Marcos a Roma porque lhe seria útil no ministério.

Evangelho de Marcos foi escrito em Roma?

Estudiosos preferem situar Marcos em ambientes antioquenos, onde teria sido escrito entre 64 e 70. O estudo de Mc recebeu grande impulso nos anos 60 do século passado, com a História da Redação. Mc possui 16 capítulos (Mc 1,1 – 16,8), a saber que o texto de Mc 16,9-20 é um apêndice posterior, acrescentado antes do ano 150.

A presença de Marcos em Roma também é confirmada por 1Pd 5,13. A partir deste testemunho tornou-se opinião comum que Marcos tenha escrito seu evangelho para os cristãos de Roma, em base à pregação de Pedro (de acordo com Pápias, séc. II). Essa opinião recebeu muitos adeptos devido aos múltiplos barbarismos latinos que se encontram em Mc. Na mesma época, porém, também Paulo se encontrava em Roma. Pelo texto de Rm sabemos que a comunidade de Roma já existia bem antes de Paulo e Pedro chegarem à capital do Império e tinha destaque entre as comunidades (cf. Rm 1,8; 16,19). O local das liturgias eram as casas (cf. Rm 16,3-5.10-11.14-15) e o ministério era exercido também por mulheres (cf. Rm 16,1.6). Existe, também, a hipótese de que uma 1ª redação do Evangelho de Marcos tenha sido escrito na Galiléia, por volta do ano 68.

Os principais destinatários de Marcos são os gentios, pois o autor explica certos costumes e práticas judaicas, por exemplo, a lei do puro e do impuro (Mc 7,1-23); como também o uso de termos aramaicos e sua tradução em momentos-chaves da narrativa, como: Talitha kum, “menina, levanta-te” (Mc 5,41); Effatha, “abre-te” (Mc 7,34); Abba, “pai” (Mc 14,36); e Eloi, Eloi, lemá sabachtáni, “meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes” (Mc 15,34). A partir dessas informações, acredita-se que o evangelho de Marcos foi escrito na região da Galileia, destinado às comunidades localizadas na região da Síria, de Tiro e da Decápolis.

Marcos em Roma, com Pedro e Paulo.

A comunidade de Roma, bem como o cristianismo palestinense, passava por sérias turbulências na época da redação final de Mc. Tiago, líder de Jerusalém, fora martirizado em 62 e os romanos arrasariam Jerusalém no ano de 70. No recrudescimento da perseguição de Nero, contra os cristãos em Roma (64-67), foram martirizados Pedro e Paulo.

As incertezas eram grandes. Esperava-se o imediato retorno de Jesus (Mc 9,1), o que justificava acentuado desprendimento (cf. Mc 1,17; 2,14-15; 3,13; 6,8-9; 10,21). Em tal contexto o autor instrui a comunidade acerca de Quem é Jesus e Como ser discípulo de Jesus, a partir dos gestos e palavras do Mestre, espalhados em vários documentos. Dessa forma, surgiu um jeito inédito de evangelizar, atribuído a João Marcos, sob o título de “Evangelho”. Jesus (“Tu és o Cristo”: Mc 8,29) e os discípulos (“pescadores de homens”: Mc 1,17).

A tradição cristã mostra Marcos ligado a Pedro que o considera filho espiritual (1Pd 5,13) e o seu Evangelho teria sido escrito a partir da pregação e de informações do mesmo Pedro. É o mais antigo dos quatro Evangelhos canônicos, escrito ao final dos anos de 60 d.C. Segundo a tradição, depois das missões em Chipre e Roma, foi para a Alexandria e martirizado em 74. Em 829 suas relíquias foram levadas de Alexandria para Veneza, onde foi construída uma basílica em sua memória. Sua Festa litúrgica é 25 de abril.

Esquema e divisão do Evangelho de Marcos

Há diversas propostas de estruturas para o evangelho de Marcos. Para uma visão de conjunto, optamos pela divisão em três partes, seguindo o ministério de Jesus na Galileia e nos seus arredores, em seguida a caminhada para Jerusalém e os últimos acontecimentos em Jerusalém. Eis um breve esquema:

1) Primeira parte (1,1—8,26): a atividade de Jesus na Galileia e nas regiões vizinhas. Nesta etapa, temos a formação da comunidade que se encontra com Jesus sempre em uma casa. A comunidade enfrenta vários problemas externos e internos, a saber: fome, doenças, individualismo, preconceito e, especialmente, a tentação de seguir o messias como rei poderoso (Mc 1,34.44; 3,12; 5,43; 6,30-44; 7,36). Essa parte termina com a cura do cego de Betsaida (Mc 8,22-26), indicando que a comunidade precisa abrir os olhos para compreender que Jesus é o Messias-servo.

2) Segunda parte (8,27—10,52): a viagem para Jerusalém a partir da Galileia. É um caminho para compreender e aprofundar Jesus como o servo sofredor com os três anúncios da Paixão (Mc 8,31-33; 9,33- 37; 10,32-34). É uma catequese sobre o seguimento de Jesus na vida cotidiana da comunidade. Ao anunciar o “caminho da cruz”, Jesus combate e corrige os discípulos que aspiram a poder e privilégio, que transparecem na figura do messias poderoso como Davi. Os versículos finais apresentam a cura do cego Bartimeu, que joga o manto, gesto que significa abandonar a visão messiânica de rei e seguir Jesus no caminho da cruz (Mc 10,46-52).

3)Terceira parte (11,1-16,8): o ministério de Jesus em Jerusalém com a sua paixão, morte e ressurreição. A prática libertadora de Jesus está em conflito com os poderes do mundo, por isso ele é condenado e morto como subversivo. Mas Deus não abandona o justo (Sb 2,18) e o ressuscita (Sl 22). Essa parte termina com a ordem de voltar para a Galileia, o local onde Jesus começou e exerceu a maior parte de sua prática libertadora.

4)Acréscimo posterior (16,9-20): Como terminar um evangelho com o medo e o silêncio? Os versículos finais foram acrescentados depois e constituem uma síntese dos relatos das aparições de Jesus ressuscitado. Na origem, o evangelho era uma obra sem conclusão. Ela está em aberto e depende da pessoa que lê dar a sua resposta… É preciso ter coragem para voltar à Galileia.

O evangelho de Marcos termina com uma ordem e o medo como resposta: “Não vos espanteis! Procurais Jesus de Nazaré, o Crucificado. Ressuscitou, não está aqui. Vede o lugar onde o puseram. Mas ide dizer aos seus discípulos e a Pedro que ele vos precede na Galileia. Lá o vereis, como vos tinha dito’. Elas saíram e fugiram do túmulo, pois um temor e um estupor se apossaram delas. E nada contaram a ninguém, pois tinham medo…” (Mc 16, 6-7).

Proposta do Evangelho de Marcos.

No norte da Galileia, por volta do ano 70 d.C., a comunidade de Marcos estava tentando seguir o projeto de Jesus de Nazaré. Além dos conflitos externos como violência, fome e tentação de entrar nos movimentos nacionalistas com o messianismo do rei, internamente a comunidade enfrentava conflitos étnicos e culturais. O modo de vida romano e a busca desenfreada de bens, poder e privilégios foram assimilados por muitas pessoas: “Concede-nos, na tua glória, sentarmo-nos, um à tua direita, outro à tua esquerda” (Mc 10,37).

Mas, não obstante as dificuldades, a comunidade de Marcos procurava resgatar e seguir o projeto de Jesus de Nazaré, apresentando Jesus como o Messias-servo e as condições para segui-lo. Entrar nesse discipulado exige “deixar as redes” e ter disposição para aprender de Jesus estratégias para a concretização do Reino de Deus. É preciso sair e ultrapassar fronteiras. Só é possível construir o Reino a partir de relações tecidas na fraternidade e no serviço: “Entre vós não será assim: ao contrário, aquele que dentre vós quiser ser grande, seja o vosso servidor, e aquele que quiser ser o primeiro dentre vós, seja o servo de todos” (Mc 10,43-44).

O evangelho de Marcos nasce da necessidade da comunidade de colocar por escrito suas memórias sobre quem é Jesus, reforçando que ele não é o messias do poder e da glória, mas seu messianismo passa pelo sofrimento e pela cruz. Eis alguns pontos principais deste texto: Quem é Jesus de Nazaré e o Seguimento de Jesus.

1.Quem é Jesus de Nazaré: O evangelho apresenta Jesus como o Filho do Homem na figura do servo sofredor, que veio conviver e libertar as pessoas empobrecidas, exploradas e excluídas pelo Império e seus colaboradores/as. Proclamou o Reino de Deus para todas as pessoas, independentemente da etnia, da classe social, do gênero e da religião. A sua fidelidade ao projeto do reino da justiça e da fraternidade o levou a um confronto com os poderosos do seu tempo e, consequentemente, à cruz, mas Deus o ressuscitou: “o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (Mc 10,45).

  1. O seguimento de Jesus: Esse evangelho apresenta mulheres e homens que seguem Jesus desde a Galileia até Jerusalém, convivendo e aprendendo com ele. Dentro de suas limitações, esse grupo assumiu a causa do Reino de Deus, que se fundamenta na justiça e na solidariedade, no meio das pessoas que estão à margem da sociedade, como mulheres, pobres, estrangeiros, crianças e doentes (Mc 1,31; 6,33; 7,28; 8,1; 10,13.46). Seguir Jesus implica assumir o mesmo caminho de Jesus como servo sofredor: “Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Pois aquele que quiser salvar sua vida a perderá; mas o que perder sua vida por causa de mim e do Evangelho, a salvará. Com efeito, que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro e arruinar sua própria vida?” (Mc 8,34-36).

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