Espera, Esperança e Esperançar

Durante todo o tempo pandêmico, uma palavra que ouvimos e que nos sustentou foi: ESPERANÇA. Esperança que tudo passaria e voltaríamos a viver sem covid-19; esperança de trabalho para quem perdeu seu emprego, de comida na mesa para quem passou fome… esperança de dias melhores para todos.

A palavra esperança aparece 142 vezes na Bíblia. O pai da fé, Abraão, foi também o pai da esperança: “Esperando contra a esperança, creu, para vir a ser pai de muitas nações, segundo lhe fora dito: Assim será a tua descendência” (Rm 4,18). “Esperando contra a esperança”, essa afirmação é curiosa, pois, como pode alguém esperar contra a esperança? Há uma esperança finita e frágil que logo se rompe e há uma esperança que se alonga e é eterna, aquela garantida por Deus.

Há pelo menos três versões Bíblicas para “esperança”:

1. “Olhar esperançosamente em uma direção particular”. Essa foi a esperança realizada na vida de Raabe (Js 2,18-21) e que aparece 33 vezes somente no Antigo Testamento. Esperança era o cordão na cor vermelha esticado na porta da casa de Raabe, para livrar a ela e a toda família da morte. Em Ex 12,13, o sangue nas portas das casas evitou a praga da destruição.

2. “Permanecer confiante”, “esperar pacientemente”. Ocorre pelo menos 38 vezes no Antigo Testamento. Noé, em Gn 8,10, esperou pacientemente o fim do dilúvio e o retorno da pomba com o anúncio da paz. Em Rm 12,12, Paulo pede: “Alegrem-se na esperança, sejam pacientes na tribulação e perseverem na oração.”

3. “Permanecer confiante em uma promessa”. Em 1Ts 1,3: “Lembrando-nos sem cessar da obra da vossa fé, do trabalho do amor, e da paciência da esperança em nosso Senhor Jesus Cristo, diante de nosso Deus e Pai”.
A esperança não é algo estático, mas força de vida e dinamismo. Uma esperança verdadeira pode ser a mola propulsora da vida. A esperança, dom de Deus, reconecta a pessoa à fonte, ao despertar nela a criança que ali vive, cheia de garra e entusiasmo. A esperança é audaz, pois acredita que o impossível para o homem é possível para Deus (cf. Mt 19,26), e é transcendente, pois deseja e procura a vinda de Jesus Cristo, o triunfo do Reino de Deus, a plena união com Deus, a libertação de todo o cosmos (cf. Rm 8, 19-25).

O escritor Charles Péguy diz que: A fé é uma esposa fiel, a caridade é mãe ardente e cheia de amor… A esperança é uma criança inexpressiva, que veio ao mundo no dia de Natal e, no entanto, é esta criança que atravessará os mundos. Pois a fé vê apenas aquilo que é, a esperança vê o que será e a caridade ama aquilo que é. A esperança ama o que será, é capaz de ver o que será no tempo e na eternidade; o futuro da humanidade…

Na encíclica Spe Salvi, sobre a esperança cristã, o Papa emérito Bento XVI, se refere aos lugares de aprendizagem e de exercício da esperança, a saber: a oração, chamada de escola da esperança. Quando já ninguém me escuta, Deus ainda me ouve; quando já não posso falar com ninguém, nem invocar mais ninguém, a Deus sempre posso falar. Se não há mais ninguém que me possa ajudar, por tratar-se de uma necessidade ou de uma expectativa que supera a capacidade humana de esperar, Ele pode me ajudar. O sofrimento é também lugar de exercício da esperança. A encíclica chama de lugar privilegiado. A esperança dá ao ser humano a coragem para enfrentar o sofrimento e de, através dele, amadurecer. Pela união com Cristo, que sofreu com infinito amor, cujo sofrimento se tornou fonte de graça, podemos encontrar sentido para o sofrimento. E a perspectiva do juízo final de Deus, lugar para o exercício da esperança. Embora não seja uma realidade presente, mas futura, o juízo final suscita a esperança porque elimina o mal.

O substantivo esperança vem do verbo “esperançar” e não do verbo “esperar”. Esperançar é ir atrás, é não desistir. Esperançar é ser capaz de buscar o que é viável para fazer o inédito. Esperançar significa não se conformar; é deixar a zona de conforto para se lançar em novas perspectivas e provocar as mudanças que se fazem necessárias.

Quando colocamos água em um copo, ela se conforma ao recipiente e fica aprisionada nele. Assim é uma pessoa sem esperança… É preciso transbordar… A esperança permite que transbordemos, isto é, ir além da borda… Um cristão sem esperança, não entusiasma ninguém a seguir Jesus, se torna um testemunho superficial que não arrasta para Cristo. Mantenhamo-nos esperançosos, porque “a esperança não decepciona” (Rm 5,5).

Fonte: Diopuava


Dom Amilton Manoel da Silva, CP é um missionário passionista e  bispo diocesano de Guarapuava  PR.