Esperançar na resistência

Mais uma semana inicia. Mais uma vez nos vimos limitados pela pandemia. No Brasil já se registra um total de 107.852 vidas perdidas e 3.340.197 infecções causadas pelo novo coronavírus, desde o início da pandemia. São muitas vidas que poderiam ser poupadas se tivéssemos seriedade e governo. Entretanto, o descaso com a vida das pessoas pobres continua. O vírus tem o endereço certo das pessoas pobres, periféricas, indígenas, ribeirinhos, quilombolas. Que tristeza, Senhor! Quanto descaso pelas vidas dos pobres!

Começo a minha semana movido pelo sentimento de indignação. Inadmissível, inaceitável, o que fizeram com o acampamento do MST, o Quilombo Campo Grande, no sul do Estado de Minas Gerais. A Polícia Militar, a mando de seu governador Romeu Zema, ateou fogo no acampamento, para desalojar as mais de 450 famílias que resistiram bravamente ao despejo covarde, ordenado pelo Tribunal de Justiça de Minas. Uma policia raivosa como cães enfurecidos, passaram com o trator sobre a escola do acampamento. Cruel. Revoltante! Como não se indignar?

São mais de 20 anos que os pequenos agricultores do MST, produzem alimentos de qualidade: milho, feijão orgânico, abóbora, hortaliças, ervas medicinais e, principalmente, o Café orgânico Guaií, totalizando 15 mil sacas/ano. Estes mesmos agricultores que fazem chegar a nossa mesa, 70% da alimentação que consumimos. Diferentemente do “Agro Pop” que, do pouco que produzem para o mercado interno, nos envenena a todos, pois é somente o que sabem fazer. Os apicultores da região de ao Félix não conseguem mais produzir o mel, já que as abelhas foram envenenadas pelo veneno pulverizado na soja.

São um monte de vagabundos, estes invasores de terra do MST. Onde já se viu ficar lutando por Reforma Agrária? Esta é a fala demente e alienada da classe média idiotizada, que se acha a tal, endossando a política mortífera dos latifundiários. São estes mesmos “vagabundos”, que resistem heroicamente, para tirar da terra o nosso sustento. São estes mesmos “vagabundos”, que doaram mais de 800 toneladas de alimentos orgânicos, para os pobres que estão padecendo com esta triste pandemia. Enquanto os que se dizem grandes, seguem lucrando com a desgraça dos pobres.

Resistência é a palavra de ordem do momento. Não podemos nos conformar com tudo isso que está nos acontecendo a partir de uma política necrófila e genocida do (des) governo que aí está. Entretanto, antes da resistência, precisamos também nos esperançar. Acreditar que é possível se construir outra sociedade possível, onde os pequenos sejam os protagonistas e destinatários de todas as políticas publicas. Nós somos a maioria e precisamos apropriar das rédeas desta grande nação. Não vamos deixar que os fascistóides e os seus apoiadores, imponham este pesado fardo sobre as costas de centenas de milhares de pessoas.

Esperançar não se trata de ser ingênuo de acreditar que as coisas acontecerão de mãos beijadas. Trata-se antes de tudo de uma luta árdua, incansável e permanente na construção da sociedade que queremos para nós. Precisamos arregaçar as mangas e nos colocarmos em prontidão, numa batalha que será muito difícil, mas possível de ser vencida, pois hum mais hum é muito mais que dois.

Neste sentido, recordo-me do nosso bispo Pedro. Um homem esperançoso por natureza e que acreditava piamente nas suas causas e lutou arduamente para conquistá-las. Mas a esperança que transbordava deste homem simples, tinha nome e sobrenome. O seu esperançar era, antes de tudo, uma esperança nascida na resistência, que ele também chamava de teimosia. Esperançar para ele era um ato de rebeldia. Esperança que se fundamentava numa espiritualidade martirial e mariológica. Tinha como inspiração maior os versículos do Magnificat, os quais norteavam a sua ação libertadora: “derruba do trono os poderosos e eleva os humildes; Sacia de bens os famintos, e despede os ricos de mãos vazias.” (Lc 1, 52-53) Um homem fiel até a sepultura.

Esperançar na resistência. Esperançar como faz o MST: “Ocupar! Resistir! Produzir! Paulo Freire insistia sempre que “É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo.” Esperançar na resistência para ver acontecer o sonho sonhado por muitos.