Espiritualidade militante

Quarta feira da sétima semana da páscoa. Uma manhã diferenciada. Hoje, talvez, seja o dia mais frio do ano aqui pelas bandas do Araguaia. Clima completamente atípico para a nossa região, sempre muito quente. Resolvi fazer a minha atividade física mais uma vez as margens do Araguaia e assim contemplar o amanhecer frio. Mesmo com todo o frio, o amanhecer no Araguaia continua belo. Maravilha de Deus, que aposta em nós a cada dia. Cada manhã, seu amor por nós se renova, acreditando que oremos fazer a nossa parte.

Hoje estou mais introspectivo que os outros dias. Não exatamente pelo frio em si, mas pelas circunstâncias que sempre me envolve nos dias como o de hoje, as vésperas do grande dia da minha vida. Fico assim por causa da generosidade de Deus para comigo, ao longo de toda a minha vida. Ele sempre me propiciou muito mais do que mereço. Reconheço de que não sou merecedor de tantas dádivas, que Ele fez por mim e ainda continua fazendo. Tantas pessoas especiais que Ele colocou em minha vida. Neste sentido, tenho uma eterna dívida de gratidão impagável para com o meu Senhor.

Os dias têm sido muito difíceis para todos nós: gente morrendo; gente passando fome; gente desempregada; gente deprimida; gente desesperada; gente adoecendo. Precisamos de muita oração para nos fortalecer na caminhada. Rezar sem cessar. Devemos seguir um dos conselhos que nos foi dado por Paulo: “rezem sem cessar. Dêem graças em todas as circunstâncias, porque esta é a vontade de Deus a respeito de vocês em Jesus Cristo (1 Tess 17-18). Rezar para que o nosso clamor chegue aos ouvidos de Deus. Neste contexto, somos desafiados também a repensar a nossa espiritualidade e nos perguntar: de que forma tenho vivido a minha espiritualidade? Esta minha espiritualidade norteia a minha caminhada de fé?. Vivo intensamente e integralmente a minha espiritualidade?

Jesus era um homem de profunda oração. Rezava sempre! Em vários momentos de sua vida pública, o vemos nestes diálogos que mantinha com o Pai. O texto do evangelho de hoje é um exemplo claro disto: “Jesus ergueu os olhos para o céu e rezou, dizendo: Pai santo, guarda-os em teu nome, o nome que me deste, para que eles sejam um assim como nós somos um. Quando eu estava com eles, guardava-os em teu nome, o nome que me deste. Eu os guardei e nenhum deles se perdeu, a não ser o filho da perdição, para se cumprir a Escritura”. (Jo 17,11-12) Por falar em oração, peço, encarecidamente, aos que hoje lerem estes meus rabiscos, façam amanhã uma pequena prece por este grande pecador que voz escreve.

Uma espiritualidade que não seja fruto de uma fé infantilizada. Que também não seja algo tido como herança de meus pais, de minha família pelo batismo. Mas que seja uma espiritualidade adulta, assumida no compromisso que tenho comigo mesmo, com Deus e com os meus irmãos de caminhada. Como nos dizia o nosso bispo Pedro: “que: eu não tenha uma espiritualidade, mas que eu seja a minha espiritualidade”! Uma espiritualidade integral, que envolve toda a minha vida, todo o meu ser e me coloca em sintonia com os anseios de Jesus, o militante dos Direitos Humanos. Uma espiritualidade militante e solidária, que lute pelos direitos daqueles que lhes estão sendo negados. Espiritualidade profundamente solidária e na perspectiva do Reino como diaconia – estilo de vida dos seguidores e seguidoras de Jesus (serviço) pelo Reino. Uma espiritualidade que seja, antes de tudo, profética e libertadora de todas as formas de opressão, como nos propôs a Conferência Episcopal de Medellin (1968), na sua clara opção pelos pobres de Javé.

Uma espiritualidade latina americana e libertadora, que celebra a vida em primeiro lugar. Não uma espiritualidade intimista e individualista, mas que valoriza as pessoas e reconhece o seu grande valor como ser humano. Esta foi a prática de Jesus de Nazaré. Ele caminhou com o povo em vez de centralizar suas energias no templo. Não foi atoa que Ele se afastou do Templo de Jerusalem e foi para a Galileia, onde fez questão de iniciar a sua caminhada de libertação. Galileia que era o lugar dos esquecidos. Para Jesus, a vida estava acima de todas as observâncias da lei e do seu rigoroso cumprimento. Que a nossa espiritualidade também nos liberte de uma fé alienada e descompromissada com as causas dos mais pobres, uma vez que a opção pelos pobres “não é uma opção sociológica, não é a moda de um pontificado. É uma exigência evangélica”, atesta o Papa Francisco.