Sábado Santo. Sábado da Vigília Pascal. Um sábado de expectativa. Um sábado de esperançamento. Um dia diferente para a vida cristã. O Jesus Histórico já não se faz presente entre nós. Estamos no aguardo da manifestação do Cristo Ressuscitado, como Ele mesmo havia dito aos seus: “O Filho do Homem terá de sofrer muito. Ele será rejeitado pelos líderes judeus, pelos chefes dos sacerdotes e pelos mestres da Lei. Será morto e, três dias depois, ressuscitará.”. (Mc 8,31) A esperança vence o medo! A vida predomina sobre a morte. Palavra dita, palavra cumprida. O Pai que é vida, se faz plenitude na pessoa do Filho. Deus é mais! Ele vive!
Jesus que passou pelo seu calvário como prisioneiro político: preso, torturado, julgado e condenado. Sofreu a “Pena de Morte”, sendo crucificado como um terrível malfeitor. Enquanto fazemos memória deste processo histórico vivenciando pelo Filho de Deus, outros “Jesuses” seguem sendo crucificados pela ganância malévola de sagazes garimpeiros. É o caso dos indígenas da etnia Xipaya, daqui do sudoeste do Pará, que denunciaram a invasão de seus territórios por garimpeiros fortemente armados, nesta quinta feira (14). As denúncias partiram da cacique da aldeia Karimãa, Juma Xipaya, acionando o Ministério Público Federal (MPF) e a própria Funai, num pedido dramático de socorro para os povos originários daquela região. O genocídio continua acontecendo com os povos indígenas, sem que nossos (des) governantes cumpram aquilo que está escrito na Constituição Federal de 1988. Até quando os indígenas serão crucificados?
Já estamos quase lá. Falta pouco para festejar a vida nova. A liturgia deste Sábado Santo é rica em detalhes. Ela nos coloca em sintonia com a caminhada do povo fazendo história nas trilhas de Deus. Errando e acertando, mas caminhando sempre. Um povo nascido livre e soberano, a imagem e semelhança de seu Criador, mas que ao longo de seu percurso existencial, experimentou a escravidão e o medo, graças à sua infidelidade e o seu coração embrutecido e desumanizado pelo querer se colocar no lugar de Deus. Mas Deus é fiel sempre, e planeja com carinho a libertação de seu povo errante, conduzindo à Terra do Bem viver.
A espiritualidade pascal é uma espiritualidade que se faz martirial e libertadora. Como a Páscoa é a fonte geradora e promotora da vida nova, a alegria, o otimismo e a esperança prevalecem sobre a dor, o sofrimento e a morte. Assim, ela se torna uma espiritualidade kerigmática: proclamação e anúncio da Boa nova que brota da Ressurreição. “Kérigma”, palavra de origem grega “Kerix”, cujo significado é “mensageiro”, ou aquele que “leva e traz boas notícias”. Proclamação e anúncio da Boa Nova da mensagem central de Jesus de Nazaré. E quem a anuncia, tem o compromisso de viver àquilo que proclama como mensageiro portador da Boa Nova. A espiritualidade do Cristo Ressurgido, que ganha vida na pessoa e missão de quem se faz testemunha na sua missão de ser com Jesus.
A liturgia deste dia mais uma vez recorre ao Evangelho de Lucas para nos situar diante do contexto pascal. Como é próprio da comunidade lucana, ela nos apresenta o caminho de Jesus acontecendo na história como proposta de libertação dentro da história, realizando assim uma nova história: a história dos pobres e oprimidos que são libertos para usufruírem a vida dentro de novas relações de fraternidade entre as pessoas. A nova história humana, como projeto de salvação que Deus tinha revelado, conforme a promessa feita no Antigo Testamento. No contexto de hoje, Lucas não tem a preocupação de narrar os fatos como acontecimentos históricos propriamente, mas a partir de seu sentido e significado.
O texto inicia dizendo que: “No primeiro dia da semana, bem de madrugada, as mulheres foram ao túmulo de Jesus, levando os perfumes que haviam preparado”. (Lc 24,1) As mulheres que o acompanhavam desde os primeiros passos de sua vida pública na Galileia, vão ao túmulo e, como era de costume no ritual fúnebre da época, preparar o corpo de Jesus. Mulheres revestidas de estrema coragem, pois o clima ainda era de medo e incertezas. Mulheres kerigmáticas, que assumem em si a missão de serem testemunhas pascais até as últimas consequências. Não esperaram que os homens acabrunhados e medrosos, fizessem frente com elas. Dão as caras e se fazem protagonistas do processo como testemunhas pascais. Mulheres que se transformam numa verdadeira profissão de fé para a comunidade primitiva, que está alicerçada no testemunho de quem conheceu, conviveu e foram testemunhas oculares do drama pelo qual passou Jesus, para a salvação da humanidade.
Através destas mulheres maravilhosas, Lucas nos faz conhecer pela linguagem do sentido, a vida nova que está nascendo com a Ressurreição de Jesus. A manhã desse primeiro dia da semana marca assim a transformação radical na compreensão a respeito das pessoas e da vida humana. O projeto experimentado por Jesus não é caminho para a morte, mas um caminho desenhado por Deus que, através da morte, leva o Filho para a vida. Daqui por diante, o encontro íntimo e pessoal com Jesus se realizará no momento em que as pessoas se dispuserem a se fazerem kérigma, anúncio e proclamação da Boa Nova, como experiência de fé junto com Jesus, nos caminhos da história de cada dia.
Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.