O Catecismo da Igreja Católica ensina que os sacramentos são sinais sensíveis e eficazes da graça de Deus. (cf. CIgC 1127) O que isso significa? Significa que os sacramentos prolongam e perpetuam a ação amorosa e salvífica de Deus na vida de todos aqueles que têm fé. Antes de voltar para Junto do Pai, Jesus fez uma promessa aos seus discípulos: “Eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos!” (Mt 28,20) Por meio dos sacramentos, Cristo assiste com sua graça toda a trajetória do ser humano, de sua origem ao seu fim.
Entre os sete sacramentos reconhecidos pelo Magistério da Igreja, a Eucaristia ocupa um lugar especial. Ela é a fonte e o centro de toda a vida cristã. (cf. LG 11) Através da Eucaristia, nós nos unimos ao Senhor numa profunda comunhão de amor. “O cálice de bênção que abençoamos não é comunhão com o sangue de Cristo? O pão que partimos não é comunhão com o corpo de Cristo? (1 Cor 10, 16) Essa comunhão não é somente memorial, mas pertença. “Eu sou a videira, e vós os ramos. Aquele que permanece em mim e eu nele produz muito fruto; porque, sem mim nada podeis fazer.” (Jo 15, 5) Comungar o Cristo é tornar-se um com Ele. É deixar-se transformar Nele, como ensina Santo Agostinho. É ser em Deus e deixar Deus ser em nós. “Permanecei em mim, como eu em vós.” (Jo 15,4)
Diante dessa sublime realidade de fé, podemos nos perguntar: qual o efeito dessa íntima união com o Senhor em nossa vida concreta? Encontramos a resposta para essa pergunta na Constituição Dogmática Sacrosanctum Concilium sobre a Sagrada Liturgia. A Eucaristia nos aquece na caridade e nos dá a graça necessária para a santificação em Cristo. (cf. SC 10) Em outras palavras, podemos dizer que a Eucaristia é força e compromisso. Como força, ela nutre a nossa vida para perseveramos na nossa identidade e vocação cristãs. Como compromisso, ela nos chama à vivência da caridade que brota desse sacramento definido por Santo Afonso Maria de Ligório como o Extremo Amor de Deus. Assim como o Senhor alimentou seu povo com o maná no deserto, o Cristo Jesus nos alimenta com a Eucaristia em nossa peregrinação neste mundo. “Não foi Moisés quem vos deu o pão do céu, mas é meu Pai que vos dá o verdadeiro pão do céu; porque o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo.” (Jo 6, 33) Da mesma forma, ao nos aproximarmos da Eucaristia, o Senhor nos lembra da ordem que deu aos seus discípulos naquela noite derradeira: “Dei-vos o exemplo para que, como eu vos fiz, também vós o façais.” (Jo 13,15).
Ao longo da história da Igreja, muitos homens e mulheres experimentaram de forma sublime os efeitos da Eucaristia em sua vida. Um grande e motivador testemunho que nos inspira neste novo milênio é o do cardeal François-Xavier Nguyen Van Thuan. Durante 13 anos, o cardeal vietnamita foi confinado pelos comunistas numa insalubre cela em Hanói no Vietnã do Norte. Em seu livro, Cinco Pães e Dois Peixes, ele revela que a Eucaristia foi sua única força: com três gotas de vinho e uma de água na palma da mão, celebrava sua missa diária. Van Thuam é um exemplo vivo dos efeitos que a Eucaristia opera em nós quando a vivenciamos com fé. Ao nos aproximarmos dela, o Cristo Jesus se dirige a nós com as mesmas palavras com que outrora o anjo do Senhor se dirigira ao profeta Elias: “Levanta-te e come, pois do contrário o caminho te será longo demais.” (1Rs 19, 7) Não foi por mero pietismo que o Papa João Paulo II, em sua carta encíclica Ecclesiae de Eucharistia, reconheceu a Eucaristia como a força da Igreja.
No entanto, estar unido a Cristo também significa configurar-se a Ele. “Tende em vós o mesmo sentimento de Cristo Jesus”. (Fl 2,5) Da íntima união com Cristo, gerada pela Eucaristia, emerge um novo estilo de vida. Em um documento pouco conhecido da Pontifícia Comissão Bíblica, intitulado Bíblia e Moral: Raízes Bíblicas do Agir Cristão, encontramos uma belíssima síntese das implicação da Eucaristia na práxis cristã. Segundo o texto, a Eucaristia possui uma dimensão moral que diz respeito à prática cotidiana. “A celebração da nova aliança deve ser feita em plena coerência com a vida, para não tornar-se uma farsa.” (BM 77) A Eucaristia exige de nós uma profunda abertura ao outro. Uma abertura concreta que se realiza em gestos de atenção, cuidado e solidariedade. Uma abertura que implica numa vida pautada na justiça divina e no amor, no agapáo, na constante doação de si. “Nisto reconhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns pelos outros.” (Jo 13,35)
Portanto, na Eucaristia, acontece um duplo movimento: Deus se oferece a nós e nós nos entregamos a Ele. Trata-se de uma graça toda especial, mas também de um chamado do qual não podemos fugir. A Eucaristia nos une intimamente à Cristo e nos torna participantes da sua missão. Assim como Jesus se oferece a nós num gesto de despojamento e amor, somos impelidos a fazermos nossa kenosis, esvaziando-nos de nós mesmos, das nossas pretensões e ambições para assumirmos o itinerário de vida do Mestre. Num mundo marcado pelo individualismo materialista, emerge diante de nós o desafio de vivermos uma verdadeira vida eucarística que se realiza concretamente numa opção fundamental pelo amor, transformando nossa existência numa oblação capaz de fecundar a história e dar vida mundo. (cf. Jo 10,10) Não há Eucaristia sem Lava-pés. A Eucaristia é um dom de Deus, mas também é nossa vocação.