Festa da dignidade alcançada

Terça feira do tempo do Natal antes da Epifania da manifestação de Deus no Filho. Deus se fazendo presente aos seus na encarnação do Verbo. Deus que se faz gente como a gente, resgatando a nossa dignidade perdida pela ação do pecado que toma conta do coração das pessoas, pervertendo as relações, provocando com isso a marginalização, a opressão e a exclusão dos pequenos. Deus que vem recuperar em nós a nossa dignidade perdida. Na sua amorosidade, Deus se aproxima e festeja conosco a festa da dignidade alcançada.

Iniciamos bem o novo ano com a festa da vitória. Festejamos com alegria a dignidade perdida, mas alcançada no primeiro dia, lavando a nossa alma e nos fazendo ver triunfalmente a chegada do novo ano em estado de graça. Pura emoção ao recuperar a nossa dignidade perdida em quatro anos de retrocesso, perdas e todas as formas de horrores de um ser inominável que desgovernou este imenso país das “Terras de Santa Cruz”.

Ver triunfar a dignidade na festa da esperança, esculpida nas peles e nos rostos de um grande chefe indígena; uma mulher preta, vinda da periferia do mundo; uma criança pobre; uma pessoa com deficiência, era tudo o que precisávamos para retomar a nossa história de vida e fazer este país voltar a sorrir e a viver, sem o desrespeito e os palavrões chucros impronunciáveis. Voltar a viver com dignidade, esperançando nas ações de reconstrução da pátria mãe é a plataforma da vez, fazendo uso das palavras que eles mais temem: “a verdade contra a mentira. A esperança contra o medo e o amor contra o ódio”.

Os indígenas, com quem trabalho há 31 anos completados neste mês, estão delirantes de alegria. Além de terem agora o seu próprio Ministério, tomaram para si o órgão que, por lei, deveria ser a instância máxima de sua representatividade, mas que nestes últimos quatro anos, estava sendo conduzido por incautos militares, avessos à causa indígena. Depois de exorcizar o espaço, mudaram também o seu nome: “Fundação Nacional dos Povos indígenas”. Os povos indígenas estão em festa com os seus ancestrais, pela chegada deste grande dia, pois o órgão será comandado pela vez primeira por uma grande mulher: Joenia Wapichana.

Com o coração em festa, longe de casa, mas no meu torrão natal, rezei na companhia dos pardais, que comigo vieram acordar o dia. Cada dia é único, Bem diferente do meu Araguaia, mas a cada amanhecer, Deus faz questão de mostrar o seu rosto, apostando que seremos capazes de fazer o novo acontecer. Rezei com a festa da alegria pela chegada do Emanuel, “Deus é Conosco”. Ainda estamos refletindo o “Prólogo de São João”, com a riqueza teológica peculiar. João sendo João, o evangelista narrando a aproximação do Rei-Messias, visto pelo outro João, o Batista.

“João viu Jesus aproximar-se dele e disse: Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo”. (Jo 1, 29) Deus que se aproxima da humanidade na pessoa do Filho enviado, o Messias, Verbo encarnado. Palavra que fez vida na vida doada do Filho. O “Cordeiro” de Deus, que também pode ser traduzido por “servo”, aquele que veio servir e não para ser servido: “O filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate por muitos.” (Mc 10,45)

Como fica bastante claro no texto joanino, Jesus toma a iniciativa de aproximar-se das pessoas. Segundo os relatos do Antigo Testando, Jesus é o Servo de Deus, anunciado pelos profetas. Aquele que devia sacrificar-se pelos seus irmãos. Também é o verdadeiro Cordeiro, que substitui o cordeiro pascal. Ao chamar Jesus de Cordeiro, João mostra que Ele é o Messias que vem libertar a humanidade da escravidão em que se encontra e conduzi-la a uma vida na liberdade. Jesus continua ainda hoje se aproximando de nós. Ele quer fazer de cada um nós, sua morada definitiva, para que sejamos morada d’Ele nas pessoas com as quais convivemos no dia a dia. Seja você também a morada d’Ele, que se aproxima de ti, sendo vida na plenitude das outras vidas. Que possamos também nós dizermos com toda convicção como João: “Eu vi e dou testemunho: Este é o Filho de Deus!” (Jo 1, 34)

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.