Ficar em Casa

Estou de quarentena, como boa parte das pessoas estão. Ficando em casa. Tratando das coisas de casa, cuidando da saúde. Prevenindo. Nunca imaginei que um abraço fosse tão importante. Estou carente dos abraços não dados. Tenho aproveitado também para por a leitura em dia e rabiscar alguns textos, com o intuito de provocar a reflexão naqueles que, por ventura, terão acesso aos mesmos.

Estou relendo agora o livro “Pedagogia da Esperança”, de Paulo Freire. Na realidade, esta obra é como se fosse um reencontro de outro livro também seu, “Pedagogia do Oprimido”. Este sim foi o livro de cabeceira de muitos de nós que lidamos com a alfabetização de adultos lá pelos anos 60. A esperança retratada neste livro é como um elo entre os SONHOS e a REALIDADE. Num primeiro instante, um compromisso de provar a necessidade da ESPERANÇA ter seu espaço na educação. Pois, através das relações históricas, econômicas e sociais é perceptível a real importância que a mesma tem, principalmente num momento de lutas por um mundo melhor.

Estou retomando este livro como inspiração para uma maior compreensão das angustias que tomam conta de cada um de nós, sobretudo quando não se tem um ponto de partida e aonde se quer chegar. E o interessante nesta obra de Paulo Freire, é que ele remonta às experiências vividas desde a sua infância à adolescência até o início de sua carreira como o grande educador de referencia mundial, patrono da educação brasileira. A partir de suas angústias e saudades, o autor compreende que é preciso DISCIPLINAR as DORES e os SENTIMENTOS para que a desesperança não impere sobre a vida humana.

É este aspecto final que quero realçar nesta obra que massageia o nosso ego, não deixando que o negativismo e nem a falta de perspectiva, nos afaste do nosso sonho maior de construir horizontes que nos sejam palpáveis. É uma tarefa difícil, pois o mundo capotou lá fora e não sabemos ainda aonde isso tudo vai nos levar. ACREDITAR é palavra de ordem da vez, por mais que não enxergamos a luz no fim do túnel, nós haveremos de lá chegar. Mas não chegaremos sozinhos. Esta é uma tarefa que envolve a todos e todas, pois só faz sentido se chegarmos lá com todos aqueles e aquelas que amamos, interligados e conectados.

Não é fácil ficar em casa, mas é preciso ficar em casa. Este vírus tem nos mostrado que não está aqui para brincadeiras. Ou fazemos o nosso isolamento social ou vamos ver as pessoas que amamos serem enterradas sem a nossa presença lá. Para mim também não é de todo fácil, acostumado que estou de perambular pelas aldeias indígenas. Tanto que, quando chego na aldeia, sinto a mesma sensação de estar chegando no paraíso. Retiro as sandálias surradas de meus pés, para ter o contato mágico com a terra. Fico o tempo todo ali descalço para sentir exatamente a energia da terra revitalizando todo meu ser. Na ausência de estar lá, fazemos os nossos os contatos, aproveitando dos recursos do whatsapp, mas convenhamos, não é a mesma coisa do estar lá.

No instante em que escrevo este texto, acompanho estarrecido, o desabado desesperador de uma mãe de um dos alunos das escolas militares, que não paralisaram as atividades escolares e os alunos já estão apresentando os sintomas da covid-19. É triste o seu depoimento, pois ela afirma que entregou o filho sadio para a escola e está correndo o risco de vê-lo, saindo em um caixão da mesma. E o mais triste nesta história é que ela não pode se identificar, pois se assim o fizer, o filho vai ser expulso da referida escola militar. Por estas e outras que MILITAR para mim é tão somente um verbo.

Finalizando, não há como não se lembrar de um dos clássicos da nossa literatura, a obra de Lima Barreto, “Triste Fim de Policarpo Quaresma.” Um romance do pré modernismo brasileiro de 1911, em que o autor, retrata a vida do major Policarpo, que é um anti-herói quixotesco, cheio de nobres ideais, alguns tresloucados, chegando até a passar uma temporada no hospício. Moço de aparente bom coração, idealista, patriota, por causa de suas qualidades, acaba sendo castigado e sempre se dá mal. Qualquer semelhança com certo capitão do mato é mera coincidência. Fique bem! Fique em casa! Vai passar!