Fidelidade ao primeiro amor

Terça feira da Oitava Semana do Tempo Comum. Seguimos nas trilhas da história com Jesus, tentando ser fieis ao seu Projeto de Amor. Cada dia somos desafiados a dar um pouco mais de nós. A mesmice não combina com a proposta do Evangelho. Cada passo dado nos convida ao compromisso e comprometimento com as causas do Reino. Cada dia é de conversão, de mudanças necessárias para alcançarmos a identidade de seguidores e seguidoras de Jesus. Como diria Santa Dulce dos pobres: “É preciso que todos tenham fé e esperança em um futuro melhor. O essencial é confiar em Deus”.

Estamos todos a caminho. Cada um de nós fazendo o seu caminhar. Nossa vida não é estática, mas dinâmica. Este é o estigma de todo ser criado. Vamos avançando em busca das nossas realizações. Desde o nascimento, entramos nesta lógica, sempre na busca por algo mais. Quem se contenta com o dia de ontem corre o risco de não viver integralmente o dia de amanhã. O horizonte que se descortina a cada manhã nos abre à possibilidade desta busca feita de esperança, alimentada pela fé. Como nos diz a Carta aos Hebreus: “A fé é a certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas que não vemos”. (Hb 11,1)

A esperança alimenta a fé. Fé que nos faz ir ao encontro do Senhor. Nos caminhos da vida vamos fazendo a experiência de caminhar com Jesus. Em meio a tentações e provas, a perseverança cristã não é simples fidelidade ao passado, mas impulso corajoso e decisivo em direção ao futuro, para Deus. Caminhar sem esquecer do primeiro amor, mas manter a fidelidade a este primeiro amor. Que não aconteça conosco aquilo que aconteceu com a comunidade de Éfeso, a quem São João chama a sua atenção: “Há uma coisa que eu reprovo, você abandonou seu primeiro amor”. (Ap 2,4) Caminhar com Jesus é manter viva a chama deste primeiro amor, identificando-se cada vez mais com a pessoa e o testemunho d’Ele.

A liturgia desta terça feira nos proporciona refletir um pequeno trecho do evangelho de Marcos (Mc 10,28-31) O registro de hoje é um curto diálogo entre Pedro e Jesus, quando este relata ao Mestre a condição que eles se submeteram para fazer parte do grupo de Jesus: “Eis que nós deixamos tudo e te seguimos”. (Mc 10,28). O que vamos ganhar em troca com isso? Na verdade, pedro está cobrando de Jesus uma certa recompensa pelo fato deles deixarem as suas vidas rotineiras para acompanhar Jesus. Uma típica relação movida por interesses, muito comum entre nós, que não sabemos ser gratuitos nas nossas relações e vivemos em busca de interesses, compensações.

Jesus quebra esta lógica de Pedro, movida por interesses mesquinhos e faz a grande revelaçao: “Em verdade vos digo, quem tiver deixado casa, irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos, campos, por causa de mim e do Evangelho, receberá cem vezes mais agora, durante esta vida”. (Mc 10, 29-30) Todavia, quem faz esta opção de seguir mais de perto a Jesus sabe que não terá vida fácil, mas passará por momentos difíceis e até de perseguição, inclusive vinda dos seus mais próximos. O cristão é um sinal de contradição neste mundo, de quem anda na contra-mão da história.

O texto de hoje é lapidar para a nossa compreensão de como fazer este seguimento das coisas do Reino. Jesus nos mostra claramente que para entrar no Reino é preciso mais do que observar leis, regras, preceitos. Antes de tudo, o Reino é dom de Deus às pessoas, e nele tudo deve ser partilhado entre todos. Quem entra pela porta estreita do Reino sabe que terá que repartir as riquezas em vista de uma igualdade, abolindo todo um sistema classista e desigual. Talvez seja por este motivo que os ricos ficam tristes e dificilmente entram no Reino: “Então Jesus disse aos discípulos: ‘Eu garanto a vocês: um rico dificilmente entrará no Reino do Céu”. (Mt 19,23) .

Quem deixa tudo para seguir Jesus, ajudando a construir o seu projeto, sabe que encontrará pela frente uma nova sociedade. Mesmo em meio a perseguição, não se abaterá, pois o Reino está em construção e necessita da participação de todo aquele que entra nesta caminhada. A vida é feita de opões e escolhas e cada uma delas tem as suas consequências. Largar tudo significa tomar posse do essencial. Fazer da vida mais do que uma simples participação na vida sacramental da comunidade, mas estar disposto a servir e cuidar sempre daqueles que mais necessitam. Aqui vale um dos conselhos dados por São Francisco de Assis: “Pregue o Evangelho em todo tempo. Se necessário, use palavras”. Não é só falar, mas viver o primeiro amor com fidelidade, fazendo da vida testemunho.

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.