Iniciamos a nossa quarta feira (07). Estamos na segunda metade do ano de 2021. Parece que as coisas passam rápido demais. Já se foram 37 dias, desde que fiz a cirurgia do Acidente Vascular Cerebral (AVC), a que fui acometido, mesmo sem o saber que tinha passado pelo dito cujo. Certo é que, assim que fiz a Ressonância Magnética, solicitada pelo neurologista, ali estava desenhado que eu tinha passado pelo processo, não precisando exatamente, a data que tal tenha ocorrido. Daí a mão de Deus, que me enviara à Goiânia, naquele preciso momento. Não fosse isso, talvez nem estivesse mais aqui, me comunicando com vocês.
Nasci de novo. Sinto-me como uma criança que está ensaiando os seus primeiros passos. Deus me deu uma nova chance, um novo recomeçar. Aliás, Deus tem sido muito generoso para com este pobre pecador. A sua benevolência para comigo é algo de que reconheço não ser merecedor. Pura gentileza do Criador, o Deus da vida que nos quer vivendo em absoluta plenitude. Como gentileza gera gentileza, tenho uma dívida para com o meu Deus. Esta e mais outras. Dívida esta a ser paga, não a Ele propriamente, mas aos meus irmãos e irmãs, razão maior de meu existir nesta missão que me une ao Araguaia.
Estou vivendo um dia de cada vez. Recuperando a saúde a cada novo sol que desponta no Araguaia. Cada amanhecer, prenuncia uma vitória a mais, por eu estar aqui e agora. Uma busca constante de serenidade, para poder passar por este processo de recuperação da saúde com equilíbrio, respeitando a dinâmica do tempo. Cuidando de mim, para que possa continuar cuidando do outro. Uma experiência nova em minha vida, diferente, pois sempre me ative em cuidar do outro. Já que recebi de Deus a gentileza de estar vivo, e dar sequência a minha missão, quero retribuir tamanha gentileza. Ser gentil e amável com as pessoas sem rispidez e indiferença, mas cuidar do outro com delicadeza, sobretudo neste atual momento de nossa história.
Um novo caminho se desponta a nossa frente. Caminho que cada um de nós haveremos de trilhar. A pandemia está nos ensinando que não poderemos mais agir como dantes, no cada um pra si egocêntrico, contrário aos planos de Deus para nós. Neste sentido, Jesus foi categórico ao chamar a nossa atenção: “Tudo o que vocês desejam que os outros façam a vocês, façam vocês também a eles.” (Mt 7,12) Um convite movido pela atitude de ter para com as pessoas, a mesma preocupação que temos espontaneamente para com nós mesmos. E não se trata de um simples dar para receber de volta, mas de ter a compreensão embasada no mesmo amor do Pai, que nos ama gratuitamente.
A nossa vida é feita de caminhos. Caminhos estes que vamos desbravando, assim que nos pomos a caminhar. Não existem caminhos prontos e acabados. Nestas horas vale aquilo que Santo Agostinho nos recomenda: “Mesmo que já tenhas feito uma longa caminhada, há sempre um novo caminho a fazer”. Um caminhar diferente é preciso, para que possamos edificar uma nova sociedade, que não seja gerida pelo ódio, pela indiferença, pelo egoísmo, pela ganância do querer ter sempre mais, mesmo que o outro não tenha, minimamente, o necessário para viver. Caminhos feitos de desapegos e desprendimentos, coisas tão difíceis de vermos nesta sociedade, que classificamos de normal. Desprendimento que me fez lembrar de uma experiência vivida pela Madre Teresa de Calcutá. Estava ela indo para o aeroporto, embarcar para um encontro agendado com o Papa João Paulo II, em Roma. Ao chegar no aeroporto, deu de cara com um pobre, que ali estava, necessitando de cuidados. A referida madre não pensou duas vezes, e lá foi cuidar daquele pobre homem. Acabou perdendo o voo, e tendo que agendar um outro encontro com o papa. O pobre era a razão de sua missão. A instituição pode esperar.
Gentileza e desprendimento que nunca faltaram a Pedro. Só não era gentil com os algozes do latifúndio, sempre na sua avidez, de querer ter sempre mais, apossando das terras dos pequenos. Contra estes, levantava sua voz profética, a exemplo dos profetas bíblicos. Voz que ainda ressoa nos ouvidos dos inimigos do povo, do baixo Araguaia. Como homem chamado por Deus, muito nos ensinou, deixando-nos um legado, ao qual somos desafiados a vivenciar na história, a palavra e a ação libertadora de Jesus. Devolver em forma de gentileza a gentileza recebida. Gentileza que também recebi de vários amigos e amigas. Alguns que nem os conheço pessoalmente, mas que rezaram, por mim, enviaram vibrações positivas, e também ajudaram a custear parte dos gastos neste imprevisto. Não sei como ainda, mas terei que sair por aí, distribuindo gentilezas afinal, “A gentileza faz com que a pessoa pareça exteriormente, como deveria ser interiormente.” (Gean de la Bruyer)