Quarta feira da 29ª semana do tempo comum. Ainda vivemos o clima ameno decorrente das ultimas chuvas entre nós. Nem parece aqueles tempos carrancudos, onde o fogo predominava, varrendo tudo à sua frente, promovendo um verdadeiro estrago devastador na nossa Casa Comum, da floresta ardendo em chamas. Ainda colhemos tristemente a destruição de mais um ano em que a floresta perdeu parte de sua vida, em decorrência da insanidade criminosa.
A natureza é sábia! Ela nos cerca de sabedoria. Vive na resistência e na teimosia. Quando se pensa que foi completamente destruída, lá vem ela presenteando-nos com o sopro da vida através do broto, que insiste em querer viver. Mesmo sendo agredida violentamente a cada ano, basta cair os primeiros pingos da chuva, ela se reveste de nova roupagem, fazendo predominar o verde das folhas e a beleza das flores, no lugar em que a cinza se transformara em morte. É Deus mesmo fazendo valer a sua plenitude, dando mostras de que, apesar da nossa insanidade e poder de morte, a vida transparece como a última palavra. Deus se fazendo gratuidade em forma de generosidade, amorosidade e gratidão para conosco.
Deus é plenitude! Plenamente gratuidade na sua relação para com os seus. Ama-nos gratuitamente, fazendo-nos experimentar desta sua amorosidade. Um Deus pleno de ternura, misericórdia e compaixão. Por mais que nos reconheçamos imperfeitos e limitados, Ele ainda continua apostando todas as fichas em nós, fazendo valer o Espírito Criador, refletindo em nós a sua imagem e semelhança (Gen 1,26-27). Não somos deuses, como alguns de nós até se achem assim. Somos parecidos com Ele. Isto significa que, mesmo na nossa forma imperfeita de criaturas, trazemos em nosso âmago o DNA do Criador, que assim nos plasmou neste mundo, por única e exclusiva vontade sua, de Pai e Mãe de todos nós.
Deus é gratuidade sempre! Esta, talvez seja uma das formas com a qual poderíamos definir o nosso Criador. Este é também o desafio que se nos é proposto nesta vida, neste plano da nossa existência. Gratuidade que assumimos como uma das formas naturais e espontâneas de ser e estar neste mundo. Indo à fonte e bebendo da etimologia da palavra, “gratuitãte” do latim “gratuito” + “idade”. Aquilo que se experimenta de forma gratuita, sem nada esperar em troca. “De graça recebestes, de graça deveis dar!” (Mt 10,8), adverte-nos o próprio Jesus. Nossa missão consiste em desenvolver em clima de gratuidade, pobreza e confiança, buscando a plena realização de todas as dimensões da vida humana.
Gratuidade e gratidão! Duas palavras com as quais conjugamos a nossa missão de anunciadores da Boa Nova do Reino. Anúncio que se faz a partir da prática coerente da mensagem de Jesus. Não anunciamos a nós mesmos, nem um conjunto de doutrinas, dogmas e preceitos. Anunciamos a presença viva do Ressuscitado no meio de nós. Se somos movidos pela gratuidade, também devemos sê-lo pelos acordes da gratidão, que se expressa como um imperativo daqueles e daquelas que sabem, de antemão, agradecer pelas dádivas e bênçãos recebidas. Agradecer, inclusive pelos percalços e pelas dificuldades nesta nossa travessia da vida, uma vez que elas nos fazem crescer como propositivo de amadurecimento.
Gratidão como qualidade de quem sabe ser grato e agradecido por tudo aquilo que chega até nós. Ser “gratus”, como a própria expressão em latim quer significar. Ser “gratus” pela “gratia”, ou seja, ser grato pela “graça” recebida. Deus se nos dá gratuitamente. A sua presença inefável em nós já é, em si, uma grande graça. Desta forma, Ele nos convida a sermos graça e gratuidade na gratidão para com os outros. Ser gratos à Deus pelo Dom da Vida que Ele nos deu, como dádiva maior. Ser gratos pelos dons que Ele nos concede gratuitamente, mesmo sem sermos merecedores deles.
É de Deus que recebemos os dons. Cada um de nós possui os seus. Dons estes que não os recebemos para nós mesmos, guardando-os dentro de nós, mas os temos para serem colocados à serviço. Esta é, na verdade, a missão que temos a incumbência de desenvolver, através das nossas ações cotidianas, na construção do Reino. Reino que vai acontecendo na medida em que o vamos edificando, passo a passo, até a chegada d’Ele. O esperamos ansiosamente (Parusia). Não uma espera passiva, de quem aguarda de braços cruzados, mas uma espera ativa, de quem vai dando a sua vida em construção, através da prontidão para o serviço fraterno. É para isso que servem os dons. Para serem colocados à serviço. “A quem muito foi dado, muito será pedido; a quem muito foi confiado, muito mais será exigido!” (Lc 12,48). São palavras do proprio Jesus, nesta dificil e necessária tarefa de edificadores do Reino, atraves dos dons que gratuitamente os recebemos. Gratidão na gratuidade a Ele que tudo nos dá! Que saibamos ser suficientemente humildes, para dizer com William Shakespeare (1564-1616):”A gratidão é o único tesouro dos humildes”.
Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.