Ide e anunciai com a vida

 

Sábado da oitava de páscoa. Continuamos na nossa travessia da pandemia. Uma travessia demorada. Ainda não conseguimos avistar o outro lado do horizonte. Alias estamos cercados de incertezas. Não somente pelo poder destruidor do vírus, mas também pela administração desastrosa do governo brasileiro no enfrentamento da crise sanitária. Em função disso, quase todas as portas dos demais países do mundo, se fecharam contra nós, pois as cepas que circulam por aqui colocam em risco a saúde de todo o planeta.

Estamos muito tristes e acabrunhados. Falta-nos quase tudo: segurança, hospitais, auxílio emergencial, comida, emprego, vacina e também governança. Quem deveria nos governar, segue dando mal exemplo de sempre: desdenhando dos conhecimentos científicos, da proteção das máscaras, do distanciamento social. Um ser completamente desprovido de empatia, por se tratar de alguém paranoicamente doente. Como se não bastasse tantos dissabores, a nossa corte maior perde tempo discutindo, se os templos devem ou não ser abertos, num momento de maior infecção e mortes recordes.

Rezei hoje a oração do desabafo. Sei muito bem que esta conta jamais poderá ser colocada nas mãos de Deus, mas aproveitei para ter um dialogo aberto com o meu Deus. O desabafo do meu coração no coração de Deus. Senti-me na pele do salmista, quando se dirige a Deus em sua súplica angustiada, sabendo, de antemão que caberão no coração de Deus todas as suas aflições. Por fim, acabei me rendendo à oração que o Papa Francisco recomendou que rezássemos: “Faz com que possamos ouvir e responder ao grito da terra e ao grito dos pobres. Que os sofrimentos atuais possam ser as dores do parto de um mundo mais fraterno e sustentável. Sob o olhar amoroso de Maria Auxiliadora, Te pedimos por Cristo, nosso Senhor. Amém”!

Estamos no aguardo da aurora de um novo amanhã. Sabemos que ele vai chegar, mas mesmo assim vivemos na insegurança de sua espera. Ansiamos pelo fim desta nossa travessia incerta. Ensaiamos o cântico que tanto desejamos que acontecesse: “O Senhor é o meu guia. Nada pode me faltar. Onde houver muita fartura. Para lá vai me levar”.

Neste sentido, o evangelho proposto pela liturgia católica para o dia de hoje é emblemático. (Mc 16,9-15). Trata das aparições de Jesus aos seus, no intuito da fazê-los crer que a vida segue. Tanto que bem no final do texto de hoje Jesus os envia dizendo: “Ide pelo mundo inteiro e anunciai o Evangelho a toda criatura!” (Mc 16,15) Ou seja, ao enviá-los, confere-lhes plenos poderes: fazer com que todas as pessoas se tornem discípulos e discípulas d”Ele. Indistintamente, todos e todas somos chamados a a fazer parte desta nova comunidade (batismo), que se compromete a viver de acordo com o que Jesus ensinou: praticar a justiça (3,15; 5,20) em favor dos pobres e marginalizados (25,31-46).

Todos e todas somos testemunhas do Ressuscitado. Esta é a ideia que permanece. Este é o maior desafio que nos é colocado na vivência cotidiana da nossa fé. Não se trata apenas de sair por ai “pregando” a Palavra, como alguns assim entendem. Aliás, eu nunca gostei muito desta palavra “pregar”. Quando criança, achava que seria o mesmo que pregar literalmente Jesus na cruz. Trata-se antes de anunciar este mesmo Jesus a partir da própria vida. Antes da palavra, a vida tem a nobre missão de dizer por si, através do testemunho. Quem se preocupa mais em falar. corre o risco de não viver aquilo que está falando. A boca fala, mas corpo e coração não acompanham vivendo aquilo que se anuncia.

Nestes dias atuais temos vivido algumas contradições esquisitas entre nós. Pastores, bispos, padres, religiosos/as, seminaristas, sendo impiedosos com alguns dos nossos gestores estaduais e municipais, quanto ao fechamento das portas dos templos, cumprindo assim aquilo que é recomendado pelas autoridades sanitárias, como forma de evitar ainda mais a propagação do vírus. Houvesse da parte destes “revoltosos” uma postura de verdadeiras testemunhas do Ressuscitado, elas mesmas seriam as primeiras a evitar as tais aglomerações, pois aquilo que está acima de tudo é a preservação da vida humana e nãos os interesse$ deste ou daquele líder religioso, que ainda não entendeu a proposta de Jesus quando diz que não necessariamente necessitamos de templos para adorar a Deus, uma vez que Deus quer ser adorado na própria dimensão da vida humana. A própria vida, dedicada ao bem dos outros, como a de Jesus, é o verdadeiro culto a Deus, a adoração em espírito e verdade.