Sextou outra vez sob o “céu de parador”! Ultima sexta feira de fevereiro que está se despedindo melancolicamente. A vida segue veloz e lá fora, vidas são ameaçadas. Nunca a humanidade esteve tão ameaçada como dantes, seja por um vírus cruel e desaforado; seja pelo clima de guerra, destruindo vidas, sonhos, projetos, sobretudo de inocentes, pessoas que fazem parte da população civil. Tem razão quando diz o piloto de caça alemão Erich Alfred Hartmann (1922-1993): “Guerra é um lugar onde jovens que não se conhecem e não se odeiam, se matam entre si, por decisão de velhos que se conhecem, se odeiam, mas não se matam”. Nem a própria população russa quer esta guerra.
Insanidade tem nome e sobrenome, quando líderes mundiais se assentam sobre suas cadeiras de governo, para planejar a guerra. O mais triste nesta história é saber que aqueles que as planejam, não vão para o front de batalha, na linha de frente, colocando suas vidas em risco. Diante de uma pandemia que deixou a humanidade inteira de joelhos, não se viu o mesmo empenho e dedicação, para arquitetar a guerra para combater a fome, a miséria, o desemprego, a doença em si, as pessoas vivendo em situação de rua, a vida dos empobrecidos de maneira geral. Esta seria a “guerra” mais sensata, pois o seu objetivo principal seria a defesa intransigente da vida dos mais vulneráveis.
Estamos vivendo a sétima semana do tempo comum. No dia de hoje, a liturgia católica nos coloca diante de um texto bastante complexo (Mc 10,1-12). Esta narrativa de Marcos já passou por uma centena de interpretações (hermenêuticas) de cunho extremamente moralista, esquecendo-se de que a Igreja Católica possui a sua Teologia Moral. Tal teologia se ocupa em fazer um estudo sobre Deus a partir da perspectiva de como a pessoa humana deve viver sob a lógica de Deus e a ética cristã. A defesa da vida humana como prevalência sobre os preceitos morais dogmáticos. A teologia moral é um termo usado pela Igreja Católica Romana para descrever o estudo de Deus a partir de uma perspectiva de como o homem deve viver para alcançar a presença da amorosidade de Deus. Assim, os princípios fundantes desta teologia, se ancoram na liberdade, na consciência, no amor, na responsabilidade perante a Lei, no intuito de ajudar as pessoas a tomarem as decisões acertadamente e lidarem com os detalhes da vida cotidiana.
Segundo o texto de Marcos, Jesus está na região da Judéia, ao sul de Israel, entre a margem oeste do Mar Morto e do Mar Mediterrâneo, bem próximo de Jerusalém. Ali Ele é mais uma vez sabatinado pelos fariseus que queriam colocá-lo a prova (tentá-lo) frente aquilo que havia sido determinado em Lei por Moisés. A questão em discussão é exatamente sobre a Lei do Divórcio. Uma Lei que já trazia em si um vício de linguagem de cunho machista: “Moisés permitiu escrever uma certidão de divórcio e despedi-la” ( Mc 10,4). Ou seja, por mais que houvesse a intenção mosaica de defender a mulher, o texto é claro, pois cabia ao homem a redação da certidão, podendo despedi-la, depois dos seus erros na relação com o seu marido.
Uma Lei que é fruto de uma sociedade machista da época. Segundo a compreensão naquele contexto histórico, o homem (varão), pelo fato de ser portador do sêmen, o colocava em uma situação especial, sem levar em consideração, que esta sua semente da vida, nada podia fazer, sem que houvesse um útero aconchegante e acolhedor para receber e germinar esta semente, fazendo acontecer o mistério da vida humana. Aquilo que na concepção aristotélica chama-se de “Ato” e “Potência”. Para Aristóteles, o “Ato” é aquilo “que é”, enquanto a “a Potência” é a categorização do que “poderia vir a ser”. De nada adianta o homem trazer em si o “Ato” da vida, sem que haja a contrapartida da “Potência”, do berço que faz desabrochar a vida.
Homem e mulher são seres complementares. Para Deus a igualdade de gênero é mais do que um principio básico da existência humana. “Criou Deus o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou, homem e mulher os criou” (Gn 1, 27). O que rege a relação entre ambos não é tanto a Lei, mas a significância maior do amor como fundamento raiz de toda a existência humana. Diante dos fariseus, Jesus quebra as pernas de uma observância cega da Lei, composta de permissões ou restrições legalistas, moralistas, machistas, patriarcais. Para Ele, tanto o homem quanto a mulher são responsáveis por fazer acontecer uma relação de união, tendo como inspiração a aliança do amor de Deus para com toda a humanidade. Diferentemente das nossas relações cotidianas, marcadas pelo consumismo descartável, e de uma sociedade sexista, em que a mulher é apenas um mero objeto, relegada ao bel prazer de seres ávidos masculinizados e erotizados. E viva o Amor! Viva a vida! Viva as mulheres, sobretudo as empoderadas!
Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.