Insensível coração

Meu coração está contristado. Esta pandemia tem tido o poder de nos deixar assim. São tantas pessoas amigas que já se foram, nos deixando um vazio no coração! Este é o estado de espírito que vivenciamos nestes últimos tempos. Um vírus invisível, disposto a nos achar pelas esquinas da vida, mesmo que alguns não vêem assim. A insensatez deu lugar a razão e o “negacionismo” ainda prolifera entre nós. Por mais que sejamos alertados do contrário, alguns fazem ouvidos moucos.

Meu coração está muito triste. Precisei hoje recorrer a ajuda de Blaise Pascal (1623-1662), este grande físico, matemático, filósofo e também teólogo francês, tentando dar alento ao meu coração, com a sua famosa frase: “O coração tem razões que a própria razão desconhece.” Meu coração dita o compasso das regras de meu existir, neste atual momento de dor, sofrimento e lágrimas. Impossível não trazer presente também a canção “Só Louco”, do bom baiano Dorival Caymmi: “Oh! insensato coração. Por que me fizeste sofrer. Por que de amor para entender. É preciso amar. Porque.”

“O homem vê a aparência, mas o Senhor vê o coração.”, nos garante a narrativa de (1 Samuel 16, 7). Ou seja, o coração aqui visto não somente como um dos principais órgãos do corpo humano, encarregado de bombear o sangue através de nosso corpo, mas como aquilo que representa o nosso EU mais profundo e interior, que transparece no nosso relacionamento com Deus, com o outro e conosco mesmo. Deus vê na nossa essência, quem somos nós, de fato. A aparência, de pouco importa desde que tenhamos a sensibilidade suficiente de olhar a realidade com os olhos do coração. Aquilo que Antoine de Saint-Exupéry, soube definir como ninguém em seu O Pequeno Príncipe: “Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos.”

Ao contrário de Deus, costumamos olhar em primeiro lugar a aparência das pessoas. O que elas mostram no seu plano exterior é o que mais importa para nós. E o que é ainda pior, julgamos as pessoas por aquilo que vemos nelas. No geral, pouco nos importamos com aquilo que as pessoas trazem em seu interior. Damos prioridade ao que elas tem e não aquilo que elas são. O TER se sobrepondo ao SER. Esta nossa postura demonstra o quanto o nosso coração está insensível, frente ao processo histórico, que cada uma das pessoas está passando, principalmente neste contexto desta severa pandemia.

Olhar as pessoas com olhar mais profundo do nosso coração é uma dádiva de Deus! Sem a graça de Deus, nunca seremos capazes de olhar profundamente o coração das outras pessoas. Nem mesmo o nosso coração. Todavia, Deus nos conhece profundamente. Ele sonda nossos corações e pode transformá-los por meio de seu Espírito criador e transformador. Ele pode converter nossos corações orgulhosos e duros em instrumentos humildes, amorosos e dispostos a amar sem medida e também a servir. Sabiamente o profeta Ezequiel se referiu assim a Deus, em relação ao nosso coração: “Tirarei de vocês o coração de pedra, e lhes darei um coração de carne. (Ez 36, 26)

Estamos por demais preocupados com a nossa aparência. As academias estão ai e nos mostram que mais vale aquilo que ostentamos em forma de visual externo. Muitos músculos e pouco cérebro. Muita estética e pouca essência vital. Devemos nos lembrar, antes de tudo que, aos olhos de Deus, as características que fazemos questão de ostentar, tais como: estética, visual, inteligência, oratória, formação e títulos acadêmicos, representam apenas aspectos exteriores.

No texto da liturgia deste sábado (Lc 21,34-36), Jesus nos chama particular atenção para tomarmos cuidado para que os nossos corações não fiquem insensíveis (Lc 21, 34). Ao contrário do que nos fala Jesus, as pessoas deixaram ser levadas pela insensibilidade frente às coisas que estão acontecendo. Mediante a esta insensibilidade, tratamos de naturalizar tudo, dentro de um processo de normalidade das coisas. A morte do outro não me chama a atenção. Talvez isto mude se acontecer da morte se fazer presente entre os meus, com as pessoas que amo. E, para não ficar numa tristeza infinda, tratei de retornar às minhas origens e deixar meu coração mineiro falar por si.