Iniciando mais uma segunda feira. Depois de passar uma semana fora, com o meu retorno médico em Goiânia, aqui estou novamente no Araguaia. De saber que o resultado da cirurgia, foi de excelência, como disse o neuro. Era tudo o que eu queria mesmo ouvir, ainda mais porque, estava eu muito apreensivo, apesar de confiante. Os parafusos estão todos nos seus devidos lugares. Talvez alguns mais do que o normal, razão pela qual, vivo na radicalidade às causas. Apenas algumas recomendações como continuidade no meu processo de recuperação. Vida que segue! Quem sabe um dia possa eu repetir com o profeta do Araguaia: “Minhas causas valem mais do que a minha vida.”
Uma viagem desgastante de Goiânia até o Araguaia. Não pela distância dos quilômetros (1.100), mas pelo ônibus que peguei no ultimo terço da viagem. O dito cujo, de tão velho que estava, quebrou no meio do caminho. Ainda bem que o motorista, era alguém já experiente na rodagem destes 190 km de estrada de chão que ainda nos restam. O jeitinho brasileiro funcionou e seguimos a vigem com algumas horas de atraso. Uma das passageiras era uma senhora também muito experiente de estrada. Fez questão de lembrar de um passageiro ilustre, que trafegava também por estas estradas. Disse-me ela: “é padre Chico, deu saudade do padre Pedro. Encontrei com ele várias vezes viajando aqui conosco. Nem parecia que era um bispo. Era gente como a gente.” Assim era Pedro nas suas andanças por estas bandas, sempre de ônibus.
Os bispos já não são mais os mesmos, pensamos juntos ali. No sábado, por exemplo, fizemos memória de três deles que fizeram a diferença entre nós. Coincidentemente, os três morreram no mesmo dia do mês de agosto: dom Hélder Câmara (1999); dom Luciano Mendes de Almeida (2008); dom José Maria Pires (2017). Destes três profetas, tive a felicidade de me encontrar várias vezes com dom Luciano, quando ainda padre jovem e trabalhava na Região de São Miguel Paulista e fazíamos encontros pastorais na região Belém, em São Paulo. Um homem profético. Muito querido pelos seus, principalmente pelas pessoas em situação de rua e da pastoral do menor, a quem por eles, lutava bravamente. Muito aprendi na convivência com este sábio homem de Deus.
Estando aqui na prelazia, certa feita ficamos sabendo que dom Zumbi, como gostava de ser chamado dom José Maria Pires, já como bispo emérito, queria por que queria, vir visitar a Pedro, mas por conta de sua saúde fragilizada, fora aconselhado a não fazer tamanho esforço. Morreu sem rever o amigo de longa caminhada. Três bispos. Três histórias distintas, mas ambas marcadas pela luta e pelo profetismo de quem não tinha medo de se posicionar na defesa intransigente dos direitos dos pequenos e marginalizados. Como Pedro, se ainda estivessem vivos aqui conosco neste plano, com certeza, estariam acampados com os indígenas em Brasília, se fazendo um com eles, no chão batido de suas lutas, e não como meras palavras de uma visita cortês de solidariedade.
Ser Igreja neste atual contexto em que estamos vivendo, é mais do que um desafio. Seguir nas mesmas pegadas de Jesus, requer um compromisso de luta pelos pequenos. Não basta ser Igreja e dizer que segue a Jesus de Nazaré. Significa que, com Ele, façamos da nossa caminhada um projeto de vida semelhante ao seu. Como vemos Jesus fazer no texto que nos é apresentado por Lucas no evangelho de hoje: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção para anunciar a Boa Nova aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos cativos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos e para proclamar um ano da graça do Senhor”. (Lc 4, 18-19)
Este é o projeto messiânico de Jesus. Não se trata de um discurso eloquente e vazio de sentido, mas de um projeto de vida que Jesus assume para si, fazendo uso daquilo que havia sido dito pelo profeta Isaías (Is 61 1-2). Jesus que faz questão de iniciar a sua vida pública em sua terra natal, para dizer que os pobres, os lascados, os invisíveis, não estavam sozinhos, porque o Filho de Deus era um com eles. Anuncia-lhes que o Messias iria realizar a missão libertadora dos pobres e oprimidos. Os destinatários do seu messianismo eram os pobres, porque eles estavam mais abertos à fraternidade e à partilha. Não se trata de uma missão que se contenta em celebrar “Santas Missas” na intenção dos indígenas que estão em luta, mas de celebrar com eles a luta deles pelo seu território sagrado, que é também a sobrevivência de toda a humanidade, já que eles são os únicos que ainda preservam as florestas, os rios, a natureza em si. Pior ainda são aquelas celebrações televisivas, vazias de sentido, que sequer pronunciam uma palavra acerca da luta que os povos indígenas estão travando no Planalto Central, para ver garantidos os seus direitos constitucionais. “Isaias, Isaias, anuncia o Messias e consola o povo meu.”
Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.