Quarta feira da quinta semana da páscoa. Comecei o meu dia em estado de êxtase. Tudo por causa de duas noticias alvissareiras que chegaram até mim, no final do dia de ontem, invadindo o meu coração de uma alegria infinda. Dois jovens adolescentes passaram no vestibular em Medicina. O mais jovem deles, Davi Magalhães Muniz, 17 anos, aprovado na Universidade Federal do Ceará (UFC). O segundo, Leonardo Ribeiro, de 18 anos, aprovado no mesmo curso, desta vez na UFG, no campus de Jataí (GO). O primeiro, da cidade de Iracema (CE), é portador de esclerose múltipla, filho de um agricultor e de uma empregada doméstica. O segundo vende melancia com o seu pai numas das avenidas da cidade de Aragarças (GO)
Estou no ramo da educação e tenho feito nestes últimos anos, a Formação Continuada de Professores Indígenas nas aldeias aqui da nossa região da prelazia de São Félix. Para quem trabalha com a educação e é apaixonado por aquilo que faz, como eu, notícias como estas, enchem o nosso espírito de educador de contentamento. Ao contrário de algumas “pessoinhas” medíocres por aí, que são “desonestas intelectualmente”, se escandalizam e ficam inconformadas com o fato do filho do porteiro de prédio frequentar a Universidade Pública. Universidade pública é para os filhos da elite, esta é a ideia que predomina entre tais pessoas.
Movido por este espírito de contentamento, resolvi falar de Jesus de uma maneira diferente. Jesus negro de Nazaré. Sim, porque esta é a concepção mais próxima da realidade histórica de Jesus. Um homem negro, não da forma como aparece, sobretudo, nos personagens que o interpretam no cinema. Neste sentido, o dramaturgo, romancista, brasileiro Ariano Suassuna, com a sua genialidade que lhe é peculiar, tratou de nos trazer a ideia de um Jesus negro, em sua brilhante obra “Auto da Compadecida”.
Jesus era um judeu. Filho de Maria, que era esposa de José. Desta forma, juridicamente, Ele era descendente de Davi, tendo Abraão como o início desta genealogia judaica, dando início assim a linha do tempo desta descendência. Portanto, tudo indica que Jesus era um homem pertencente ao povo negro.
Um homem negro e pobre como muitos em Nazaré, na Galileia. Sua rejeição entre as lideranças pertencentes à aristocracia judaica, não era somente por causa de sua origem divina, como Filho de Deus enviado (Messias), mas também por causa de sua origem geográfica. Jesus nasceu em Belém, cidade da Judeia, provavelmente no ano 6 a.C. no final do reinado de Herodes Antipas, que acabou por volta do ano 4 a.C.
Havia um preconceito enorme sobre os habitantes de Nazaré. Este preconceito está presente também nos primeiros seguidores de Jesus. Sai da boca do próprio Natanael uma frase emblemática, levantando a dúvida: “pode vir alguma coisa boa de Nazaré”? (Jo 1,46). Uma fala eivada de preconceito, contra os habitantes de Nazaré que se casavam com as mulheres estrangeiras, gerando filhos excluídos do povo Judaico. Este era também o pensamento predominante entre os poderosos da Judéia, sobretudo ao saberem que Jesus andava na companhia dos marginalizados da Galileia. A maneira de pensar de Natanael é semelhante a do Sinédrio de Jerusalém, Supremo Tribunal Judaico, o mesmo que condenou a Jesus a morte.
O preconceito era algo que estava presente no tempo de Jesus, assim como nos tempos atuais. As pessoas não conseguem se desvencilhar de tais preconceitos, ainda mais numa sociedade como a nossa, marcada pela herança perversa da Casa Grande, depois de mais de 300 anos de escravização do povo negro entre nós. O Brasil é tido como a segunda maior população negra do mundo. Só perdemos para Nigéria. Segundo dados do senso do IBGE de 2010, considerando-se uma população de 190 milhões de pessoas a época, os negros já somavam 96.795.294. Ou seja, mais de 50% do total de habitantes do país são negros. Entretanto, na mesma proporção desta população, está o preconceito que é latente entre nós, ao ponto de uma branquela azeda de um dos canais televisivos, fazer galhofa de forma jocosa, acerca de um dos pratos da culinária africana.
Embora a literatura bíblica não nos traga com maiores detalhes a descrição física de Jesus, alguns estudiosos (exegetas) são categóricos em afirmar que a imagem de Jesus de pele negra, está bem mais próxima da realidade de quem foi Jesus de fato. Talvez não tenha sido realçada nos textos bíblicos, pelo fato deles terem sido escritos por uma supremacia de pessoas brancas, machistas, com forte predominância do patriarcado. Fato é que este Jesus que conhecemos e que chegou até nós pela catequese, esta longe de ser o Jesus que viveu na Palestina dos primeiros séculos da era cristã. Nestas horas, prefiro ficar com as palavras de nosso bispo Pedro que afirmava: “Se Jesus encarnou na realidade humana, como testemunha fiel do Projeto de Deus, como eu acredito, Ele só poderia vir na pele dos invisíveis, que nada valiam, sobretudo, de onde não se podia esperar que nada pudesse vir dali”. Axé Jesus!