Terça feira da oitava da páscoa. Seguimos na nossa toada. Meu coração está aflito com tantas noticias de amigos que perderam a batalha para o vírus. Hoje fiquei sabendo da páscoa prematura do frei Mariano, que atuava no Hospital 9 de Abril, em Juruti (PA). Ele tinha apenas 33 anos de idade. Também nesta manhã, quando rezava, ouvi o barulho de dois aviões levantando vôo em São Félix do Araguaia. Um seguido do outro. Aviões saindo tão cedo não é um bom presságio. Ficamos apreensivos. Quem será desta vez?
Enquanto as mortes se sucedem, os negacionistas seguem com as suas cantilenas. Definitivamente, a ciência perdeu o seu lugar na compreensão dos “arautos da verdade”. Mesmo sem conhecer nada sobre medicina, infectologia, epidemiologia, seguem fazendo apologia do tratamento preventivo. Mas também, depois que o mandatário maior da República virou médico sanitarista, com receituário em punho, tudo é possível. Os anais da história há de registrar este período como um dos mais funestos de nossa idolatrada salve, salve.
Epidemia a parte, hoje me peguei refletindo sobre os “Jesuses” que conhecemos desde os primórdios do cristianismo. Cada um de nós conhece o seu Jesus e se relaciona com ele a sua maneira. Alguns ainda se relacionam com este Jesus, fundamentados pela sua fé infantil. Aquela mesma fé que iniciou os primeiros passos na catequese. Esta fé infantil faz com que estas pessoas se relacionem com aquele mesmo Jesus que aparece nas imagens/fotos, ou mesmo das telas do cinema. Para se ter um conhecimento mais aprofundado de quem foi mesmo este nazareno, necessário se faz que a nossa fé amadureça e, através dela possamos fazer o encontro com este Jesus que aparece na narrativa dos evangelhos.
Uma das disciplinas mais interessantes do curso de teologia é, sem dúvida, a Cristologia. João Resende Costa, CSSR, um exímio professor de Cristologia, fez-nos transitar pelas ruelas da Palestina do primeiro século, trazendo-nos um Jesus encarnado na vida daqueles habitantes da periferia da Galileia. Uma ideia fascinante, que nos fez apaixonar por este Galileu e a sua determinação em fazer cumprir aquilo que Deus havia lhe incumbido realizar em meio aos empobrecidos.
A Cristologia nos faz conhecer primeiro quem foi o Jesus Histórico. Neste sentido, a leitura do evangelho de Marcos é fundamental. Ele tem um objetivo muito claro com a sua narrativa: Quem é Jesus, mostrando para nós quem foi este Jesus histórico. Não através de uma narrativa teórica que apresenta as doutrinas ou dogmas da proposta de Deus, mas de anunciar no dia a dia os feitos concretos deste Jesus no meio daquela ralé: curar os doentes; acolher os pobres famintos e dar-lhes de comer; acolher e conviver com os pecadores; promover a dignidade das mulheres; promover a inclusão dos estrangeiros.
É através desta prática concreta que Jesus vai realizando o projeto messiânico segundo a vontade do Pai. E, ao ser coerente com este projeto, entra em rota de colisão com uma concepção de Messias ligada aos esquemas de dominação, que mantinha uma sociedade classista e opressora, sustentada por uma ideologia religiosa. Jesus entra em confronto e bate de frente com a sociedade judaica do seu tempo. Em Marcos, toda esta atividade de Jesus é o anúncio e a concretização da vinda do Reino de Deus (Mc 1,15), manifestada pela transformação radical das relações humanas: o poder é substituído pelo serviço, o comércio pela partilha, a alienação pela capacidade de ver e ouvir a realidade. Visão que me ficou muito clara também depois que li o livro do teólogo espanhol José Antonio Pagola – Jesus: Aproximação histórica. De leitura indispensável.
Conhecendo este Jesus histórico, fica mais fácil conhecer o outro Jesus: o da fé, o pós-pascal. O Cristo. O mesmo Jesus, entretanto, é preciso situá-los dentro de cada contexto para se saber quem é quem. Quem passa pela experiência da dor, do sofrimento, da tortura e da crucificação é o Jesus Histórico. Quem sobrevive e vence a morte e torna-se o ressuscitado, é o Cristo. Jesus, o Cristo! Pelo menos foi esta a compreensão que os seus seguidores tiveram. Por mais que Jesus lhes anunciasse que Ele era o Messias, mas que passaria pela cruz, eles não tiveram esta compreensão. Somente depois de morto é que eles caem em si e viram que Jesus era mesmo o Messias enviado: “De fato este homem era mesmo o Filho de Deus.” (Mt 27,65)